RESUMOS | ABSTRACTS

A Real Feitoria do Linho Cânhamo da comarca de Torre de Moncorvo
Adília Fernandes
CITCEM - Universidade do Minho

A cultura do linho cânhamo, no Vale da Vilariça, nas proximidades de Torre de Moncorvo, fertilizado pelas inundações do rio Sabor, é documentada como uma atividade ancestral e quotidiana. Exemplo disso é a intervenção dos procuradores da vila nas Cortes de Lisboa de 1459. Queixam-se do excessivo cultivo deste produto em detrimento de outros, como o vinho e os cereais, atribuindo-lhe, ainda, pela insalubridade climática que causa, doenças e mortes prematuras. Pedem a intercessão régia para que os lavradores reduzam a produção e a aplicação de severas multas para quem ultrapasse os limites impostos. Contudo, em 1609, é a “principal fazenda da Terra”, nas palavras de Manuel Severim de Faria. A resistência do linho dos campos da Vilariça torna-o ideal para a sua transformação em cordame destinado à navegação. Em 1616, segundo uma ata da câmara de Moncorvo, a Coroa faz um contrato de arrendamento do linho, por quatro anos, a Diogo Henriques Pereira, para ser acabado em “emxarcia das Armadas da Índia e Costa”. Filipe II, face à sua qualidade e abundância, resultado das propícias condições naturais que aqui encontra, reconhece-o como fator de vitalidade económica, mandando construir, em 1617, uma feitoria no campo da Corredoira (derivação etimológica de cordoaria; hoje, Largo da Corredoura), outorgando-lhe um Regimento. Fica instalada num conjunto de casas cujas ruínas são, ainda, visíveis, mantendo-se a designação dos terrenos circundantes como o lugar da feitoria. O Regimento emanado por D. João IV, em 1665, transforma-a numa estrutura organizada e de apertado controlo em torno do cultivo do linho e do modo como os lavradores o devem fazer; do arrolamento das terras nas quais os donos, sem exceção, são obrigados a produzi-lo, recebendo mercês em troca; dos requisitos exigidos aquando da sua entrega nos armazéns da vila; da manufatura e da expedição dos produtos através do rio Douro para o Porto. Elencado em catorze capítulos, o documento traduz a rígida hierarquia em que tal estrutura assenta, dedicados, quatro deles, aos corpos dirigentes encimados pelo superintendente, detentor de amplos poderes. Um conjunto alargado de elementos fiscaliza e faz cumprir as determinações insertas, como os estimadores que arbitram os prédios semeados e obrigam os proprietários a darem a totalidade da produção acordada, ou o meirinho e os denunciadores que tentam evitar o desvio do linho, vindo, também, de outras zonas transmontanas e da província da Beira. Refere-se a presença de mulheres entre os trabalhadores com tarefas no interior da feitoria, distribuídos por uma escala com os cordoeiros no topo. As mulheres ocupam o último patamar e auferem um salário inferior ao dos homens por igual laboração. A Real Feitoria é extinta pelo alvará de 25 de Fevereiro de 1771, publicado pelo Marquês de Pombal. A sua existência conhece momentos críticos, advindos das enchentes do rio sobre a ribeira da Vilariça, logo, sobre as courelas que a ladeiam, o que provoca a sua improdutividade ou destruição, a confusão de limites e o abandono. A dificuldade de demarcação das terras, frequentemente alagadas, torna inúteis os tombos de 1629 e de 1777, usando os lavradores uma medição por varas que acarreta contendas infindas pela imprecisão e usurpações que favorece. José António de Sá, corregedor e juiz de fora de Moncorvo, traz-nos informações a este respeito nas suas Memorias do final do século XVIII. Insiste na necessidade de medidas que contenham as águas para obstar à desordem e às gravosas consequências para o funcionamento da feitoria. A sua intervenção coincide com a recessão no setor de plantação dos linhos transmontanos, em certos casos, porque outras culturas se instalam nos terrenos que, anteriormente, ocupa. O fecho da feitoria obriga à importação desta matéria prima de Castela para alimentar a “fiação” doméstica. Sá considera este recurso uma desgraça nacional, propondo à rainha, em 1797, um plano para o evitar e que consiste em reabilitar a sua cultura, preferencialmente, no Vale da Vilariça, o que não vem a verificar-se. Em 1796, o edifício está vago e deteriorado (permanecendo as armas reais no pórtico) e, em 1803, é adquirido, com os terrenos anexos, por Leopoldo Henrique Botelho de Guimarães. A feitoria é um relevante contributo para a importância económica que a comarca de Moncorvo patenteia no século XVII e primeira metade do XVIII.

O Arranque da Industrialização em Portugal: O contributo do Ensino Industrial do Porto
Patrícia Carla Costa, Helder I. Chaminé, Pedro M. Callapez
Instituto Superior de Engenharia do Porto

Décadas de instabilidade política em Portugal levaram a que os esforços de consolidação socioeconómica do Reino apenas se tornassem mais efetivos na segunda metade do século XIX, permitindo mitigar parte do profundo atraso que o separava dos países europeus mais industrializados.
O primeiro Governo Regenerador, que se iria manter no poder até 1856, teve em António Maria de Fontes Pereira de Melo (1819-1887) um dinâmico interventor político. À semelhança de alguns dos seus antecessores de governos liberais, mas com um maior sentido dinâmico, apostou no desenvolvimento da indústria. Para se alcançar esse objetivo introduziram-se novos equipamentos e maquinaria, investindo-se também na formação dos respetivos operários, mestres e dirigentes. A maioria destes indivíduos era analfabeta, assim como grande parte da população nacional, embora o ensino primário oficial remontasse a 1772.
Recorde-se que após o estabelecimento dos primeiros alicerces da indústria nacional durante o período Pombalino, não existiu a capacidade, nem uma conjetura favorável, para que se conseguisse implementar um ensino oficial profissionalizante em Portugal até 1850. Só após a subida ao poder dos liberais e a extinção definitiva das corporações, foram instauradas uma série de medidas devidamente articuladas e tidas como uma alternativa credível ao sistema corporativo.
Assim, existiu a necessidade de empreender uma maior vitalidade na economia nacional através de iniciativas escolares que preparassem os novos quadros na área da indústria, do comércio e da agricultura. Nesse sentido e de 1852 em diante, a criação de um sistema de ensino industrial, permitiu incrementar a importação de novas ideias científicas e avanços tecnológicos que proliferavam por toda a Europa Ocidental. É relevante lembrar que na década de 60 do século XIX, já eram vários os países europeus com um sistema de ensino industrial ou estabelecimentos profissionais de elevada qualidade, em pleno funcionamento. Entre estes, destaca-se a França com a sua magnífica Escola de Artes e Manufacturas de Paris, as Escolas estabelecidas em Châlons, Aix e Angers, que eram institutos eminentemente práticos, e ainda as suas congéneres de Lille, Castres, Marseille, Nantes e Bordéus.
A primeira iniciativa nacional coube à Associação Industrial do Porto, ao estabelecer a primeira escola industrial do país. A aprovação dos estatutos deste estabelecimento, em 31 de Outubro, e a sua inauguração a 22 de Novembro de 1852, reiteraram a vontade de se avançar com um tipo de ensino capaz de tornar a produção nacional mais competitiva. Nesta iniciativa importa considerar não só a capacidade de antecipação de uma associação relativamente ao Estado (o diploma que legislará sobre o ensino industrial data de 30 de Dezembro de 1852), como ainda a rápida adesão de alunos a esta iniciativa, mesmo particular.
No primeiro diploma estruturador do ensino industrial criava-se um “ensino genérico para todas as artes e ofício” dividindo-se o ensino em “elementar, secundário e complementar”, assumindo-se que apenas seria “professado em Lisboa e Porto”. Iniciou-se, então, uma importante etapa na divulgação da Ciência junto das novas classes de trabalhadores, graças ao esforço de industrialização nacional.
O ensino industrial teve uma grande importância durante este período de modernização. Era importante que existisse um sistema de ensino que pudesse fornecer todo o conhecimento necessário às novas classes de trabalhadores especializados que estavam agora a surgir, fruto de um operariado emergente mas ainda pouco adaptado às novas exigências tecnológicas e a um esforço produtivo em crescimento continuado.
Este sistema destacava-se por uma forte componente prática, comprovada pela criação multidisciplinar de laboratórios e de gabinetes científicos, que possibilitavam aos alunos o acesso a atividades experimentais em áreas ligadas aos novos processos tecnológicos.
Anualmente eram adquiridos no estrangeiro instrumentos, aparelhos, modelos, espécimes (minerais, rochas entre outros), com o fim de equipar estes espaços com o que de melhor se produzia e se empregava nas principais Escolas dos países líderes da Revolução Industrial. Verificava-se, assim, uma adequação do ensino industrial à realidade e, em simultâneo, um contributo significativo para o progresso económico do país, através da sua indústria, comércio e agricultura alicerçados numa mão-de-obra especializada.
Apesar da história do ensino industrial em Portugal ser vasta e complexa, o Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP), do Politécnico do Porto, é um dos herdeiros deste passado, tentando ser uma Escola na vanguarda da engenharia com raízes muito sólidas proporcionadas pelo longo trajeto percorrido desde 1852.


Revolução e inovação: A fábrica de aparelhos para ensino, ciência e indústria da Escola de Engenharia de Juiz de Fora
Paulo Noronha
Museu Dinâmico de Ciência e Tecnologia da Universidade Federal de Juiz de Fora – Minas Gerais – Brasil

Este trabalho inicia-se com a criação da Escola de Engenharia de Juiz de Fora em 1914 e apresenta algumas reflexões direcionadas ao estudo do patrimônio museológico histórico, científico, tecnológico e industrial tendo como fonte de pesquisa a história e o desenvolvimento das Oficinas de instrumentos científicos da Escola de Engenharia e a sua posterior transformação em Fabrica de Aparelhos e finalmente a sua consolidação como Parque Tecnológico.
Devido ao alto custo de importação de instrumentos científicos, são organizadas no final da década de 20 do século XX, as oficinas da Escola de Engenharia a qual apresentava um projeto pedagógico inovador e único no Brasil e nas Américas direcionado especialmente à produção de aparelhos científicos, didáticos e industriais destinados ao aparelhamento dos seus laboratórios e gabinetes de ensino. Posteriormente, na década de 40, com a implantação de uma política institucional de desenvolvimento por parte da direção da Escola, ocorre a modernização de suas oficinas, produzindo em escala industrial um conjunto expressivo de instrumentos de ciência e tecnologia tendo por finalidade específica a sua comercialização os quais foram vendidos em sua grande maioria para quase todas as instituições de ensino superior e médio do Brasil.
Nesta investigação procuramos relacionar o modo e o processo de produção de objetos de ciência e tecnologia fabricados pelas Oficinas utilizando-se como referencial uma abordagem histórica que nos permitem demonstrar a trajetória de um conjunto de objetos tendo como fio condutor estudos relacionados à cultura material, área do conhecimento significativa para ser utilizada à luz da práxis histórica. No estudo das oficinas da Escola de Engenharia, entendemos que uma das principais características que se sobressai nas análises sobre cultura material, é o conceito de interdisciplinaridade, a qual se constitui em um dos imperativos mais importantes das novas condições da produção do conhecimento científico, o qual pode ser exemplificado pelas emergentes áreas das ciências, as quais, pela sua própria essência, exigem a convergência de novas disciplinas. A ciência e tecnologia são igualmente, interdisciplinares por natureza, uma vez que faz parte de um modelo social que lhe confere suporte e legitimidade além de representar um novo campo de produção de discursos os quais interagem com os diversos campos sociais, em especial com a economia, antropologia, engenharia, sociologia e história das ciências.
Através desta trajetória procura-se demonstrar que os documentos e os instrumentos de ciência e tecnologia carregam inúmeros e diferentes valores imputados através de um processo social de construção histórica, sendo, portanto os principais suportes de informação, e é a pesquisa e a comunicação que dá significado ao documento. Podemos, assim, associar os instrumentos produzidos pelas Oficinas da Escola com a sua documentação arquivista a, apresentando o seu uso, quem os produziu, o tempo dispensado em cada fase dos processos de produção, o custo de mão de obra, impostos recolhidos, os salários recebidos pelos funcionários, e finalmente o valor comercializado dos de 553 objetos relacionados às mais diferentes áreas da ciência. Estudar este novo universo é acompanhar a trajetória de vida de um instrumento, é fazer antes de tudo a sua historiografia onde temos o início, o meio e principalmente os diferentes caminhos que cada objeto percorreu.


Periodismo científico militar: indústria e sociedade nos finais do século XIX princípios do século XX
Luís Assis
CEHFCi – U. Évora e IHC - FCSH-UNL

A imprensa militar, à semelhança da sua congénere civil[1], conheceu o seu momento de expansão e diversidade durante o período da Regeneração e primeiras décadas do século XX a partir das diferentes armas e serviços do Exército e da Marinha[2]. Cada uma tinha a sua publicação periódica específica que veiculava em diferentes linguagens – técnica e científica – o que essas comunidades pensavam e inovavam   através da internacionalização dos saberes e a mundialização da Ciência num Portugal considerado de produção científica periférica no contexto Ibérico[3].
Entrar no mundo da cultura científica militar no período referido permitiu-nos contactar com diversas vertentes da História de Portugal, particularmente da indústria portuguesa – a das pescas[4], a da construção naval[5], a equina[6], a militar[7], a metalúrgica[8], a fabril[8] e a mineira[10] – e compreender a interação entre a instituição militar (Exército e Marinha) e outros espaços técnicos e científicos (europeus e norte americanos), mas sobretudo com a sociedade civil.
A rede de contactos a nível nacional e internacional tornaram a imprensa científica militar reconhecida como difusora de ciência e de técnica (onde obviamente se encaixa a Indústria) para uma elite militar, mas também civil que se interessava pela descoberta e aprofundamento dos fenómenos científicos[11]; uma elite que construía conhecimento  nas áreas da sua formação e especialização e que teve a oportunidade de poder viajar pela Europa e América. Todavia , devemos ter presente que a realidade da imprensa científica militar deve ser entendida mediante a existência e a vivência de outros mecanismos culturais e científicos de formação, produção e difusão: a Universidade de Coimbra, a Escola Politécnica de Lisboa, a Academia Politécnica do Porto, a Escola do Exército e a Academia de Marinha e, ainda, as personalidades científicas ligadas a estes hemisférios culturais e científicos.
Os periódicos, pelo seu carácter efémero, e por vezes desconhecido, não foram devidamente valorizados como fonte histórica[12]. Contudo, para o investigador da História da Ciência eles são fundamentais para se identificar e compreender os processos de aquisição e difusão de conhecimento[12]. Em Portugal, a imprensa periódica militar foi, ao longo deste último século, pouco valorizada enquanto objecto de estudo e valor histórico.
Com a apresentação deste estudo, pretende vincar-se a importância da imprensa científica militar como documento histórico e de divulgação de conhecimentos científicos e técnicos nas tão importantes e diversas áreas da Indústria.

[1] Tengarrinha, José Manuel (1989). História da Imprensa Periódica Portuguesa. Lisboa: Caminho.
[2] Carvalho, Francisco Augusto Martins de (1891). Diccionario Bibliographico Portuguez. Lisboa: Imprensa Nacional.
[3] Nunes, Maria de Fátima (2001). Leitura e Leitores. In Imprensa periódica científica (1772-1852, Leituras de Sciencia agricola em Portugal. Lisboa: Estar, pp. 5-25.
[4] Redacção (1905). Situação actual da Pesca da Sardinha na Povoa do Varzim. Annaes de Marinha, (1), 1-33.
[5] Redacção (1904). Construcção do rebocador Berrio. Annaes de Marinha, (2), 9-33.
[6] Figueiredo, Francisco (1901). A produção nacional do cavallo de guerra. Revista   MilitarLIII (19), 577-585.
[7] Barcellos (1868). Bronze alumnium - metal sterro - peças de krupp - peças de blakey - projectis de aço. Revista MilitarXX (21). 473-477.
[8] Redacção (1897). Ferro Fundido. Revista MilitarXLIX (2), 76-82. Redacção (1882). A Metallurgia e a fabrica Creusot. Revista Militar, XXXIV (5), 140-143.
[9] Sousa, J. C. De Abreu (1872). Bronze Phosphoroso. Revista MilitarXXIV (2), 7-50. Redacção (1918). Um aperfeiçoamento da Industria do aço. Revista MilitarLXX (5), 312-313.
[10] Redacção (1858). Industria de Minas em Portugal. Boletim do Ministerio das Obras Publicas1 (4), 507-520.
[11] Fitas, Augusto (2009). História das Ciências: das muitas memórias à necessidade da História. In os Militares a Ciência e as Artes. Lisboa: Academia Internacional da Cultura Portuguesa, pp. 17-39.
[12] Reis, Fernado José Egídio (2007). Introdução. In Os periódicos portugueses da emigração (1808-1822): As ciências e a transformação do País. (p. 5). Tese de Doutoramento apresentada à Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa.
[13] Nunes, Maria de Fátima (2001). Imprensa periódica científica em Portugal. In Imprensa periódica científica (1772-1852, Leituras de Sciencia agricola em Portugal. Lisboa: Estar, pp. 23-26. Assis, José Luís (2005). A Imprensa Militar: ciência e literatura na Revista Militar. In Ciência & Técnica na Revista Militar (1849-1910). (pp. 61-69). Lisboa: Caleidoscópio. Assis, José Luís (2011). Periódicos científicos militares (1849-1918): trocas e circulação de saberes técnico-científicos. Tese de Doutoramento apresentado à Universidade de Évora. Évora.


A indústria do mobiliário em Portugal (1940-1980). Uma perspectiva a partir das encomendas da Comissão para Aquisição de Mobiliário na Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais
João Paulo Martins e Sofia Diniz
CIAUD, FA-UTL | IHC - FCSH-UNL

A Comissão para Aquisição de Mobiliário (CAM) foi criada em 1940, no âmbito da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN) no Ministério das Obras Públicas e Comunicações, com o objectivo de conduzir as tarefas de aquisição de mobiliário destinado a equipar edifícios públicos e monumentos do país, tendo funcionado sem interrupção até 1980. A criação da CAM pressupôs a activação de objectivos e critérios de actuação, um conjunto articulado de procedimentos administrativos e novos canais de exercício do poder que modelaram a paisagem interior de edifícios representativos do Estado, em escalas e valências diversas, em toda a extensão do território nacional, estabelecendo padrões de funcionalidade e de orientação estética, de gosto, com uma carga ideológica evidente.
Com o financiamento da FCT, uma equipa multidisciplinar sediada no Centro de Investigação em Arquitectura, Urbanismo e Design, da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa encontra-se a estudar a acção da CAM[1]. Este estudo iniciou-se, em Maio de 2011, pela leitura do respectivo arquivo – hoje incorporado no IHRU – o qual integra correspondência administrativa, condições técnicas, memórias e desenhos de projecto, catálogos de empresas produtoras, fotografias, amostras de materiais. Este é um trabalho que pretende contribuir para o conhecimento, a valorização e a salvaguarda do património móvel, chamando a atenção para o papel desempenhado pelo mobiliário no processo de conformação dos espaços representativos da identidade colectiva e dos efeitos de retórica a ele associados.
Até ao momento, este projecto permitiu já reunir uma extensa listagem das empresas produtoras e comercializadoras de mobiliário activas no país durante este período, que foram consultadas nos processos de aquisição promovidos pela CAM. Estão incluídas tanto as empresas de dimensão nacional como algumas pequenas empresas de escala local, cujas capacidades produtiva e de resposta às solicitações eram muito diferentes. De acordo com as grandes divisões consideradas na época, constituem dois grupos com características tecnológicas distintas: o sector dos móveis em madeira e o dos móveis metálicos. O estudo aprofundado deste material de arquivo permitirá traçar um retrato do tecido produtivo destes sectores, nas suas potencialidades e limitações (a relação entre a resposta às encomendas e a escassez de matérias primas em qualidade e quantidade adequadas; a falta de meios técnicos ou de pessoal técnico qualificado; os valores dispendidos pelo Estado nestas aquisições, etc.). O acervo de catálogos reunido, sobretudo referido ao sector do mobiliário metálico, no qual esta prática de apoio à comercialização se implantou mais cedo, ajuda-nos a reconhecer a oferta do mercado e as suas variações ao longo do período considerado, nas mais variadas dimensões: de uma relativa homogeneidade na oferta das diferentes empresas à gradual especialização e constituição das respectivas imagens de marca; a relação com as tendências, as marcas e os modelos estrangeiros de referência; a acomodação e a inércia que justificam o prolongamento da produção de alguns modelos ao longo de décadas, em sucessivas versões degradadas da forma original; os momentos de ruptura e inovação.
Os relatórios anuais da CAM expressam o entendimento dos seus responsáveis sobre o trabalho ali desenvolvido. À Comissão cabia "colaborar na época do ressurgimento nacional” (CAM, Relatório, 1950, p.10), “criar um tipo de mobiliário que mar[que] lugar de realce na época do renascimento que vivemos” (CAM, Relatório, 1951, p. 5). Com efeito, a encomenda pública sob a sua administração teve uma importância efectiva para a indústria do mobiliário em Portugal, constituiu apoio inegável para o desenvolvimento de empresas (e para a constituição de pólos industriais), desempenhou papel de relevo na adopção ‑ nalguns casos ‑ de padrões de gosto alinhados com o panorama internacional. E no entanto, na acção da CAM não se reconhece uma estratégia de promoção da qualidade da produção nacional, de busca de excelência, inovação ou actualização tecnológica que pudessem tornar esse sector mais competitivo ou eficaz, à imagem daquilo que então faziam outras organizações congéneres internacionais. À CAM bastaria “imprimir a tudo quanto realizar um mínimo de aprumo, equilíbrio e bom gôsto"(CAM, Relatório, 1950, p.10).

[1] Projecto "Móveis modernos. A actividade da Comissão para Aquisição de Mobiliário no âmbito da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais. 1940-1974" (referência FCT: PTDC/AUR-AQI/115660/2009); investigador responsável João Paulo Martins; investigadores: Leonor Ferrão, Marta Rosales, Graça Pedroso, José Alves Pereira; bolseiras: Margarida Elias e Sofia Diniz.


Turismo Cultural: cultura, identidades e patrimônio na era pós-industrial
Adriana Brambilla e Maria Manuel Rocha Teixeira Baptista
Universidade Federal da Paraíba- Brasil e Universidade de Aveiro

O turismo, e em particular o turismo cultural, tem despertado o interesse de investidores, considerando o aumento do fluxo turístico, mas há que se obervar que esta atividade deve respeitar as peculiaridades regionais e, a partir destas, organizar suas ofertas. Na busca por geração de receita muitas localidades têm criado atrações culturais artificiais que distorcem as tradições, os valores regionais e acabam decepcionando o visitante quando este percebe que foi ludibriado. Lemos (2000) adverte para a preservação patrimonial com a preocupação exclusiva para atender às exigências turísticas. Em um processo de globalização é necessário evitar a homogeneização como forma de seguir modelos que funcionam em outras localidades, considerando que o turismo cultural deve ter como propósito o respeito às identidades locais e não a massificação turística, típico da sociedade industrial, em que produtos padronizados eram oferecidos ao maior número de consumidores em uma economia de escala, pois  não se pode oferecer os mesmos eventos culturais e itinerários, os provedores de produtos turísticos necesitam trabalhar mais estreitamente com o setor cultural a fim de encontrar formas inovadoras de turismo (RICHARDS, 1996). É neste sentido, que se desenvolveu a presente comunicação, como parte da tese de doutoramento em Estudos Culturais, através de pesquisa bibliográfica com o objetivo de discutir o Turismo Cultural em uma visão de respeito às identidades, para evitar que o turismo, passe de atividade espontânea, a ser cooptado pela sociedade de consumo que tudo o que toca, conforme expõe Carlos (in Yázigi, 1996),  transforma em mercadoria, tornando o homem um elemento passivo, perdendo sua espontaneidade, e passando a ser também um produto de consumo, resultado da sociedade industrial, ou ainda como expõe Krippendorf (1989), a massificação do turismo surge, não como uma ruptura do trabalho, mas como um mecanismo criado pela própria sociedade industrial como forma de reposição das forças para que os trabalhadores mantenham sua produtividade. A massificação do turismo cultural, pode levar à descaracterização dos locais criando cidades artificiais que não são reconhecidas pelos seus moradores e gerando um sentimento de rejeição por parte destes residentes, que Krippendorf chama de revolta, em que há uma reação da comunidade com o objetivo de expulsar os visitantes que estão descaracterizando seu habitat, destruindo seus patrimônios, e ainda, uma desilusão do turista, em especial do turista cultural, que, atualmente busca muito mais que apenas visitar locais históricos, busca vivenciar as experiências regionais e conhecer, o que denominamos de patrimônio pessoal, ou seja, a história de vida dos moradores, o cotidiano das pessoas que fazem parte daquela comunidade. O turista cultural da atualidade é o reflexo da sociedade pós-industrial, em que a massificação e a economia de escala, foram substituídas pela customização e a economia de escopo. Essa era pós-industrial, segundo Harvey (1992) caracteriza-se pela compressão do tempo-espaço, identificando a Pós-Modernidade a um ritmo de vida mais acelerado, o o indivíduo perdido no tempo e no espaço, a volatilidade e a efemeridade em um processo de descontinuidade que afeta as sociedades em seus fatores econômicos, políticos e culturais. Como visto, o turismo é uma atividade que favorece o desenvolvimento local, mas que também pode trazer impactos negativos nas áreas econômicas, ambientais e sócio-culturais. O aumento do custo de vida, a destruição da natureza, a poluição, o aumento excessivo de visitantes, a exploração sexual, a interferência na cultura local, entre outros, são exemplos de impactos que podem prejudicar um pólo receptor. Mas, esses impactos podem ser evitados, minimizados ou até mesmo transformados em oportunidades, quando previstos, conhecidos, analisados e mensurados, e por isso,  considera-se que o turismo cultural pode contribuir significativamente para a recuperação e preservação do patrimônio cultural, como explica Jokilehto (1985), o turismo, além de despertar o interesse  por locais históricos, a renda gerada pelos turistas, quando revertida para a conservação do patrimônio cultural, incentiva a valorização de aspectos culturais, materiais e imateriais, esquecidos e abandonados. De acordo com Ruschmann (2001) uma das grandes mudanças no turismo é que os gestores estão mais conscientes que precisam preservar para este existir. É necessário manter a diversidade cultural, os valores e práticas existentes em uma região e a construção da cidadania e da integração social plena dos indivíduos.

Referências Bibliográficas
HARVEY, D. (1992). Condição Pós-Moderna. São Paulo: Edições Loyola
JOKILEHTO, J. (2002). History of Architectural Conservation. London: Butterworth-Heinemann
KRIPPENDORF, J.  (1989).  Sociologia do Turismo - para uma Nova Compreensão do Lazer e das Viagens. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira
LEMOS, C. A. C. (2000). O que é patrimônio Histórico. São Paulo: Brasiliense.
RICHARDS, G. (1996). Cultural Tourism in Europe. Wallingford: CAB International
RUSCHMANN, D. (2001). Turismo e planejamento sustentável. Campinas: Papirus.


Crestuma, um destino de turismo industrial
Raquel Santos, Jorge Ricardo Pinto
Instituto Superior de Ciências Sociais e do Turismo

O extraordinário desenvolvimento industrial do século XIX, responsável por grandes transformações sociais e determinantes na vida e costumes da sociedade global, deixou “marcas” permanentes que, ainda hoje, perduram como testemunhos históricos de relevo. Ainda assim, a resistência à preservação e estudo desses testemunhos tem resultado na sua degradação e mesmo destruição, em alguns casos. Urge, pois, sensibilizar responsáveis aos vários níveis da administração e da sociedade no sentido de inverter a situação.
Em Portugal, o Património Industrial, sendo um recurso turístico de potencial, é uma realidade pouco explorada. Só em 1980 apareceram as primeiras publicações e foram concretizados alguns projetos, destacando-se, neste domínio, alguns periódicos, atas de conferências e trabalhos de investigação. São inúmeros os casos de velhas estruturas com valor cultural indiscutível a necessitarem de intervenções de restauro e dinamização dos espaços, visando uma oferta turística de eleição, diversificada e única.
O IGESPAR (Instituto de Gestão do Património Arquitetónico), a APPI (Associação Portuguesa para o Património Industrial) e o TICCIH (The International Committee for the conservation of the Industrial Heritage) são exemplos de organismos orientados para a investigação e preservação dos muitos vestígios e testemunhos industriais.
Crestuma aparece referenciada como povoação autónoma já em 922. Terra ribeirinha e periférica do Concelho de Vila Nova de Gaia e Distrito do Porto foi, no século passado, um território onde a indústria local representou, em grande escala, a economia não só de Crestuma como de toda a área do interior do concelho, ombreando com as maiores fábricas do Porto, a “Manchester portuguesa”. Banhada pelos rios Douro e Uíma, com uma riqueza paisagística assinalável, a sua laboriosa e determinada população mantém um conjunto de práticas ancestrais, lado a lado com o inevitável progresso e inovação contemporâneos. A localização privilegiada resultou na sua força motriz, nos primórdios do desenvolvimento industrial, beneficiando do Douro que se tornou na via de comunicação por excelência, num tempo em que os meios de transporte e a estrutura das estradas eram tremendamente ineficientes e perigosos.
O desenvolvimento industrial de Crestuma alonga-se sobretudo entre 1834, ano em que Crestuma foi elevada a concelho, e o início da década de 1970. Sobressaíam então as fábricas de Fundição e Tecelagem onde trabalhavam alguns milhares de operários.
As inúmeras estruturas, algumas feitas ruínas, constituem um espólio cultural valioso e um excelente campo de estudo que determinará um aproveitamento de sucesso no Turismo Industrial, reforçado pelas múltiplas fontes documentais, incluindo o testemunho vivo de antigos operários das muitas fábricas aqui instaladas.
Na linha de recentes pesquisas arqueológicas, em Crestuma, no “crasto” do Castelo (Parque Botânico do Castelo) que se estende até ao rio Douro, há a certeza da existência, há vários séculos atrás, de um desenvolvido cais de acostagem junto à praia de Favaios onde, nas proximidades, existem estruturas bem visíveis de três fábricas de fundição de dimensões consideráveis para a época em que laboravam.
O objectivo desta comunicação é identificar e caracterizar este espólio industrial abandonado e compreender a sua integração no futuro desenvolvimentos territorial da freguesia de Crestuma.


El turismo industrial a debate: Viabilidad y actuaciones sobre el patrimonio industrial de la Región de Murcia (España)
María Griñán Montealegre, Mª Dolores Palazón Botella e Mónica López Sánchez
Universidad de Murcia e Fundación Ars Civilis

Transformar los recursos patrimoniales en referentes turísticos es una actuación que ha permitido desde mediados del siglo XX convertir al patrimonio cultural en un aporte continuó de iniciativas y propuestas destinadas a permitir su recuperación con el impulso del turismo.
En España la importancia del turismo como recurso económico ha propiciado que, junto a los tradicionales recursos turísticos, hayan alcanzado el interés de los diferentes agentes otras posibilidades como la del turismo industrial. En este caso, unido a procesos de reconocimiento, catalogación y recuperación de este patrimonio. Especialmente desde la puesta en marcha del Plan Nacional del Patrimonio Industrial en el 2001 (y su revisión en 2012), pasando por el interés mostrado por las diferentes administraciones regionales y locales, hasta la reciente creación de varias redes específicas de turismo industrial.
Un turismo que no se ha limitado al uso de espacios y elementos patrimoniales industriales, tanto en activo como  en desuso, sino que las autoridades también han patrocinado la recuperación y reconversión de centros laborales dotándolos de nuevos usos, así como han incentivado la apertura de museos de temática industrial.
La implantación de esta actividad turística en la Región de Murcia, una comunidad del sureste español con un proceso industrializador propio alejado de la proyección industrial de las comunidades más representativas españolas, ha tenido una incidencia desigual que ha ido desde actuaciones de gran envergadura a propuestas más conservadoras. Sin embargo, recientemente la administración regional ha comenzado a considerarlo como un instrumento para incentivar diversificando la oferta turística, y activar la economía regional a través de él estando trabajando en la elaboración de nuevas propuestas. Ante esta situación este trabajo pretende analizar el estado de la cuestión en este ámbito, la realidad de las actuaciones sobre el patrimonio industrial ya en marcha y analizar las posibilidades reales de los recursos regionales antes de promover nuevos trabajos. De la misma manera que pretende generar un debate sobre las posibilidades turísticas del patrimonio industrial que sirva para unificar posturas entre los participantes en el evento.

Buildings and remnants. Essay-project on post-industrial spaces
Inês Moreira
Goldsmiths College, University of London e Fundação Cidade de Guimarães

This paper aims to present the concept, the process and the results of Buildings and Reamnants project.
Buildings and Remnants is an essay-project looking at post-industrial spaces through diverse conditions of buildings and materials. The project´s most immediate aim is to commission a group of readings of  Guimarães and Vale do Ave, departing from ASA factory, and amplifying it with other locations and wider concerns in Europe. It is an experimental project, playing with different findings, archives and visual formats, articulating several fields of knowledge, so to essay a multidisciplinary reflection on post-industrial spaces and buildings.
Buildings and Remnants focuses on existing architectures and structures and explores it in different perspectives and scales: a techno-scientific reading of the potentiality of buildings, materials and the machinic, along with other less physical dimensions of materiality, as the concepts of performativity, spatiality, affectivity, or the even the concept of romantic. The project explores an interdisciplinary reading of post-industrial architecture, space and of industrial heritage through the perspective of visual culture, architecture and cinematic image, exploring in its unfolding the research tools of history, anthropology, or archeology (as field work, or as the documentation of traces).
Buildings and Remnants materializes in three parts: an exhibition, a program of conferences and a book with visual and methodological strands around the post-industrial. The exhibition will explore found-objects, materials, footage, and spatial structures, inviting authors and artists concerned, specifically, with the cultural dimension of physical space and with its intersections with the fields of cultural production – anthropology, ethnography, history or politics. The project includes a conference that will attend to the potentialities and the futures of factories, warehouses and settlements.
On Buildings and Remnants was a public gathering intending to trigger a dialogue in Guimarães with a group of professionals actively working in and researching on industrial buildings. From industrial institution directors, to architectural authors, to curators and other cultural agents working with post-industrial buildings, the conferences intend to hear several experiences with buildings, whether in appropriated, adapted, rebuilt factories, or, in ruins of industrial settlements.

Las ciudadelas españolas. El fruto urbano del proceso de industrialización
Carlos Aguiar García, María Concepción Fernández López, Yanira Hermida  Martín
Universidad de Barcelona e Universidad de Oviedo

El proceso de industrialización llevado a cabo en España desde finales del siglo XIX y las dos primeras décadas del siglo XX, supone un factor de atracción de gran cantidad de trabajadores rurales que se dirigen a buscar empleo en las fábricas, ubicadas en la periferia de las grandes ciudades.
Este éxodo rural revierte en el surgimiento de numerosas ciudadelas en las que se hacinan, en penosas condiciones de salubridad, los obreros recién llegados. Con el paso del tiempo, y llegada la Segunda República (1931-1936) la escasez de vivienda y los elevados alquileres desatarán una fuerte conflictividad social.
El análisis estructural de las ciudadelas, la problemática surgida en torno a la vivienda en la década de 1930 y la gestión posterior que se ha hecho de las mencionadas construcciones, en tanto que conforman parte del patrimonio histórico del país, centran el análisis del presente artículo.



As relações comerciais entre Portugal e Espanha nos finais do séc. XIX. O tratado de Comércio e Navegação de 27 de Março de 1893, antecedentes, objectivos e reflexos na economia portuguesa
Teresa Nunes
IHC-FCSH/UNL

O objectivo deste trabalho consiste na análise do Tratado de Comércio e Navegação, celebrado entre Portugal e Espanha, em 27 de Março de 1893. Neste exercício pretende-se aferir os factores conjunturais subjacentes à aproximação entre os dois países ibéricos em finais de Oitocentos e compreender de que forma a evolução das políticas pautais na Europa, entre as décadas de 80 e 90, influíram no entendimento acordado pelos dois reinos peninsulares.
Em particular, importa-nos conhecer o papel exercido pelo acesso ao mercado espanhol no quadro das relações comerciais encetado por Portugal a partir de Maio de 1890, data da declaração negociada entre Portugal e o Império Otomano e do modus vivendi de recíproco tratamento igual ao da nação mais favorecida sob expressa reserva “do nosso regime convencional para com o Brasil e para com os estados limítrofes, ou mais precisamente para com a Espanha”[1]. Com o malogro subsequente das negociações desenvolvidas com o Brasil, em 1891, e na esteira das denúncias dos tratados de comércio que ligavam Portugal à Alemanha (Janeiro de 1892), ao Império Aústro-Húngaro (Janeiro de 1890), à Bélgica (Janeiro de 1892), à Bolívia (Março de 1892), à Colômbia (Agosto de 1892), à França (Fevereiro de 1892), à Grã-Bretanha (Junho de 1892), à Grécia (Fevereiro de 1892), aos Estados Unidos da América (Janeiro de 1892)ou à Itália (Janeiro de 1892), a Espanha assumia um papel de relevo nas perspectivas comerciais portuguesas.
Estes condicionalismos ditariam um alento renovado aos contactos estabelecidos entre Lisboa e Madrid, desde Março de 1888, em torno do comércio ibérico e das vantagens associadas a um regime pautal capaz de responder, em simultâneo, aos desafios de ambas as economias e de promover a projecção respectiva nos mercados europeu e americano. No entanto, neste processo negocial concluído em Março de 1893 influíam factores endógenos e exógenos. No primeiro caso, saliente-se a revisão das políticas alfandegárias promovidas por ambos os países, o apelo pela protecção dos mercados internos e respectivas consequências nas estruturas industriais e agrícolas. No segundo, evidencie-se o impacto do Ultimatum Britânico na apetência germânica por um acesso privilegiado ao mercado português, em substituição parcial da anterior ascendência britânica, ou as manifestações de solidariedade espanhola em face da humilhação imposta pela Grã-Bretanha à sua aliada secular.
Esta imagem benfazeja de uma aliança preferencial alternativa à luso-britânica contribuiu, no contexto português, para a revalorização do espaço ibérico enquanto dimensão estruturante a ambos os estados cuja condição de partilha peninsular compelia a um entendimento aduaneiro, tão mais bem sucedido quanto maiores os proventos para as economias respectivas e menores os dispêndios associados aos serviços fronteiriços, mesmo com prejuízo das receitas alfandegárias.
Estas ideias de proximidade económica, partilhadas por personalidades políticas tão díspares quanto Consiglieiri Pedroso, João Franco, João Arroyo, Francisco Beirão, Augusto Fuschini ou Casal Ribeiro, entre outros, haveriam de se acomodar na letra do Tratado de Comércio e Navegação, celebrado com Espanha em 27 de Março de 1893 e sucessivamente ajustado em domínios pontuais, até Setembro de 1913, data da sua denúncia pelo Estado espanhol.
Todavia, permaneceria envolto em polémica, fortemente suportada em argumentos seculares no discurso político português, como a preservação da soberania nacional face às apetências expansionistas espanholas na península, reformulados à luz das transformações ocorridas na Europa oitocentista, em particular, do exemplo deixado pela unificação da Alemanha, resultante de uma união aduaneira bem sucedida.

[1] Diário da Câmara dos Senhores Deputados, sessão de 17 de Maio de 1890, p. 249.


Inorgânicos de base em Portugal no século XIX: alguns aspetos da sua história
Isabel Cruz
CICTSUL/UL/ Univ. Évora

A produção química em grande arrancou na França e na Inglaterra durante o século XVIII. Do seu desenvolvimento, resultaram algumas das suas estruturas tecnológicas mais fundamentais, que se consolidaram e aperfeiçoaram durante as décadas de vinte e de cinquenta do século seguinte, nos mesmos países. A produção em grande atingiu em primeiro lugar o domínio inorgânico da matéria e lançou para o quotidiano industrial os «produtos químicos» que eram químicos inorgânicos de base. Este fenómeno decorreu tanto da mudança da escala produtiva, como das diferentes técnicas e processos envolvidos. Respondeu, numa primeira fase, à crescente demanda por substâncias químicas que funcionavam como matérias base nas indústrias dos têxteis, do sabão e do vidro e depois, numa fase subsequente, também devido ao desenvolvimento e expansão da indústria dos adubos.
O ponto de partida desta produção química em grande escala, eram reações provocadas entre substâncias sob condições por vezes muito extremas de energia, e o seu objetivo, a colocação no mercado, em termos concorrenciais, tanto dos mesmos produtos químicos que eram obtidos anteriormente pela aplicação de métodos de extração e purificação de materiais naturais, como de novos, que podiam substituir com vantagem os outros, anteriores.
Porque continha intrinsecamente o mesmo germe de mudança radical que diversos autores associam à revolução industrial, a produção química em grande fez parte de um  processo de industrialização, e o estudo da sua evolução num dado lugar será um fator com significado para a compreensão e caracterização desse processo, nomeadamente por via da internacionalização dos conhecimentos científicos e técnicos, que estava via de regra subjacente. Dada a pertinência dos materiais como a soda e o ácido sulfúrico, na estruturação do novo paradigma tecnológico em que se baseou o conceito de indústria química, e que se difundiu na Europa, as instalações fabris que os produziam são por sua vez, um objeto importante desse estudo.
Foi no decurso do século XIX que em Portugal se estabeleceram algumas das produções mais fundamentais no campo da indústria química inorgânica, nomeadamente a da soda e a do ácido sulfúrico. O presente trabalho tem por objetivo caracterizar o universo fabril dessas produções, e descrever factos relevantes da sua história, numa perspetiva de melhor conhecimento sobre as condições de existência das mesmas, assim como dos processos envolvidos de aquisição e adaptação de tecnologias.


Moinho de Félix - Legado Cultural
Sílvia Casimiro, Sandra Marques, Filipa Lobo
IEM e FCSH/UNL

Os moinhos de vento fazem parte da nossa memória colectiva e popular e com alguma imaginação remetem-nos para o cenário de algumas histórias que, ainda hoje, encantam crianças e adultos. Constituindo-se como testemunho material de um modo de vida evanescente e como um valioso elemento da paisagem, o moinho de vento desempenhou um papel muito importante na história da civilização pelo simples facto de aproveitar o vento, transformando-o em energia. Pretende-se agora, por um lado, apresentar o estudo preliminar realizado no Moinho de Félix, também conhecido por Moinho da Pá Negra, localizado no Alto de Cacilhas, no Conselho de Oeiras, integrado na cintura de moinhos da Boa Sentença. Trata-se de um estudo em parte inédito, uma vez que o seu interior nunca foi estudado já que este se encontra num terreno privado que terá sido objecto de divergências judiciais durante vários anos, tornando-se impossível o acesso ao seu interior. Por este motivo, Jorge Miranda estudou o seu exterior e foi com base nos estudos por ele efectuados que se dirigiu a metodologia adoptada, não só a nível documental como também a nível material. A área abrangida pelo actual conselho de Oeiras, que integrava a cintura moageira Pré- Industrial de Lisboa, demonstrou, desde muito cedo, uma extrema influência da capital e atendendo à sua proximidade, evidencia-se uma grande importância para o seu abastecimento. O moinho de vento é um dos testemunhos desta influência, que tão depressa conduziu estas estruturas, para um grande desenvolvimento e consequente apogeu, como também o levou ao declínio e praticamente ao esquecimento. No decorrer do século XIX, com o forte crescimento demográfico, Lisboa depara-se com a falta de produtos e recursos e a população, empobrecida, era incapaz de responder à escassez de bens alimentares. Como resposta a esta situação insustentável procedeu-se, a par de outras medidas, a um alargamento de unidades moageira de base tradicional e à construção de moinhos de vento. Devido ao grande boom de moinhos em torno de Lisboa, poucos foram os locais com recursos naturais disponíveis e morfologia do terreno adequada, que não fossem aproveitados por este movimento, projectando, assim, este fenómeno para a criação de uma cintura moageira pré- industrial de bases tecnológicas e engenhos tradicionais. Esta difusão regional de moinhos de vento foi amplamente testemunhada em Oeiras, chegando a ser localmente privilegiados, muito provavelmente, porque no espectro dos sistemas tradicionais disponíveis, era aquele que melhores condições apresentava, para dar resposta a regimes de funcionamento intensivo e a produções em larga escala para a época. Importa, no entanto, destacar a existência naquela zona de abundantes zonas expostas, elevações, encostas de vales com orientação de ventos predominantes e constantes, aliados a um terreno fértil. No conselho de Oeiras os moinhos de vento encontram-se situados, maioritariamente na cumeada dos montes e reunidos em grupo. De grande parte sobrevivem apenas meras ruínas, ou o seu registo na toponímia, o que testemunha a sua grande influência e difusão. Da cintura de moinhos de vento deste conselho, destacam-se quatro moinhos inseridos no conjunto da Boa Sentença, sendo um deles – o Moinho de Félix - o nosso objecto de estudo, que para contrastar com os restantes, se encontra em bom estado de conservação. A edificação do Moinho do Félix, obedece a um conjunto de estratégias de optimização funcional, ou seja, o método construtivo pretendeu a optimização dos recursos energéticos disponíveis e a sua rentabilização no funcionamento dos dispositivos mecânicos existentes.
Inserido numa zona urbanizada próxima do centro social e de terrenos cultivados, a sua implantação no terreno teve sem dúvida em conta a morfologia, bem como a proximidade de vias de acesso e centros de abastecimento e consumo. Os ventos locais foram fundamentais para a longa durabilidade deste moinho. Situado num local elevado possibilita uma boa exposição dos ventos dominantes.
Por outro lado, pretende-se também apelar à salvaguarda e preservação dos moinhos como património social e como legado cultural. Para isso, é imprescindível a realização de estudos mais desenvolvidos no âmbito da Molinologia e da arqueologia pré-industrial e respectiva divulgação de uma forma simples e acessível, com o objectivo de sensibilizar e educar as mentalidades apelando às suas raízes e memória colectiva e popular, de modo a que a própria comunidade se constitua como parte activa neste processo de salvaguarda.


A linha de Cascais: o seu contributo para a dinamização de uma produção industrial emergente - a energia eléctrica
Joana Catarina Vieira Paulino
IHC - FCSH/UNL

A linha de Cascais que, inaugurada de forma parcelar, entre 1889-1895, vai do Cais do Sodré à vila de Cascais, começou por circular pela força do vapor. Volvidos pouco mais de 30 anos da abertura na sua extensão total (1895), esta via-férrea foi pioneira no contexto da modernização ferroviária portuguesa, pela adopção de energia eléctrica e, desta forma, estimulando e dinamizando uma produção industrial emergente no final do século XIX, início do século XX.[1]
Assim, constitui um dos objectivos iniciais demonstrar quais os motivos subjacentes à modernização da linha de Cascais. Ressaltam os problemas da tracção a vapor, contrastando com as nítidas vantagens da energia eléctrica aplicada ao sector ferroviário. Não se deve ainda descurar a concorrência de outros meios de transporte, sobretudo, do eléctrico que, inaugurado em 1901, se revelou um meio alternativo no trajecto urbano da linha e ligando ainda à primeira povoação suburbana, Algés.
Assim, em termos institucionais, importa demonstrar como a possibilidade de modernização da linha de Cascais foi perspectivada, logo a partir de 1902/3, pela concessionária da via-férrea, a Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses (C.R.C.F.P.). O pioneirismo desta «ideia» é indissociável da figura de Fausto Cardoso de Figueiredo (1880-1950), que integrava a administração da C.R.C.F.P. Tendo a administração desta última consciência da sua incapacidade em financiar tal progresso, invocou a necessidade de concessão da electrificação e exploração da linha a uma outra empresa – emergiu a Sociedade Estoril, da qual Fausto de Figueiredo era um dos sócios principais, podendo-se concluir que este foi o «mentor» da modernização (de acordo com a evolução institucional da Companhia Real, adaptando-se e tendo um papel participativo nas várias conjunturas políticas que atravessou – desde a Monarquia Constitucional, passando pela I República e, depois, aderindo ao Estado Novo), canalizando todos os esforços para que fosse executada.
Contudo, Fausto de Figueiredo, empresário da oligarquia portuguesa, tinha um outro projecto entre mãos, também ele uma iniciativa pioneira, direcionada a um sector de actividade igualmente emergente, o turismo. Este projecto materializou-se no cosmopolita e internacionalmente reconhecido Parque Estoril. Tal como o caminho-de-ferro e a sua modernização estimulavam a produção industrial, pretendia-se que o Parque Estoril tivesse o mesmo tipo de reflexo na economia nacional. Ou seja, esta iniciativa turística dinamizava de forma directa a economia portuguesa, pelo dispêndio de capital dos turistas no Parque Estoril, bem como de forma indirecta, pois incentivava a produção industrial de determinados sectores associados a uma estância turística. Era ainda atribuindo um grande relevo ao conhecimento técnico, nomeadamente, à profissionalização daqueles que ao sector turístico se dedicavam. Estes eram alguns dos princípios ideológicos subjacentes à construção do Parque Estoril.
Concluindo, ambos os projectos de vida de Fausto de Figueiredo possuem relação simbiótica – estes não podem ser perspectivados de forma dissociada, estimularam a economia portuguesa per si, ao mesmo tempo que fizeram ressaltar para a necessidade de desenvolvimento de determinadas indústrias a eles associadas, incentivando a produção industrial para prossecução e viabilidade dos mesmos.

[1] Por outro lado, o enfoque da electrificação da linha de Cascais reside não apenas no seu pioneirismo, mas também no distanciamento temporal com que as restantes linhas implementaram a electricidade como força motriz: só em 1956 foi inaugurada a electrificação da linha de Sintra, 30 anos após a modernização da via-férrea em estudo.
O estudo que se pretende apresentar constitui uma das partes integrantes da minha Dissertação de Mestrado (subordinada ao tema A linha de Cascais: construção e modernização. Reflexos no turismo e no processo de suburbanização da cidade de Lisboa).


História de uma concentração à margem do Estado: o condicionamento industrial no sector cervejeiro português
Filipe Silva
IHC - FCSH/UNL

Enquadrando teoricamente a análise da história da indústria cervejeira portuguesa numa visão sistémica das políticas de desenvolvimento à escala nacional, tendo em conta os contornos políticos e as opções essenciais durante o Estado Novo, esta comunicação pretende analisar o processo – sui generis – de concentração deste sector em torno da Sociedade Central de Cervejas, formalmente iniciado em 1934. De facto, o tipo de concentração efectuado, por ter sido consumado livremente e sem a intervenção do Estado, numa época em que aparentemente nada o fazia prever, constitui um case study relevante, apenas comparável – neste período – com as indústrias de base e tabacos.
A Lei n.º 1956 do Condicionamento Industrial, de 1937, veio reforçar a política de concentração e a limitação da concorrência, pela capacidade do poder estatal autorizar ou recusar a implantação de novas indústrias e a introdução ou substituição de maquinaria, fazendo notar a corporatização como produto do Estado. O sector cervejeiro é parte desta equação: até meados dos anos 50, todos os pedidos de implantação de novas fábricas são prontamente recusados, sendo certo que a abertura do condicionamento industrial só é efectivamente perspectivada com o despacho ministerial de 1968, que, com base nas previsões do consumo, autoriza a entrada de várias empresas no mercado cervejeiro.
Dando um papel de relevo a este sector, desde logo pela componente tecnológica e pelo tecido modernizador que lhe é conferido no contexto da indústria portuguesa de dimensão mais reduzida, a comunicação procura olhar para a aplicação e evolução de um dos principais instrumentos de política industrial do Estado Novo, particularmente para a forma como o tecido empresarial da indústria em questão se posicionou perante as orientações governamentais.


A Indústria Conserveira de Sesimbra (1933-1945)
Andreia Almeida
Faculdade de Letras – UL

A indústria conserveira foi, sem sombra de dúvida, durante o início do século XX, uma indústria subsidiária da indústria de guerra. Tal foi claramente observável durante o período em que decorreu a I Guerra Mundial e sê-lo-ia mais uma vez, poucos anos depois, durante a II Guerra Mundial. Que pensar de um produto alimentar barato, extremamente nutritivo, saboroso, de qualidade, fácil de transportar, com grande prazo de validade? De facto, este seria o princípio fundamental que levaria à produção de rações de combate, responsáveis por garantir a alimentação, ou até mesmo por salvar a vida a uma plêiade de europeus que se veriam absorvidos no conflito, civis e militares, homens, mulheres, crianças, judeus, cristãos... Não espanta, pois, a enorme valorização que estes produtos conheceriam durante os anos em que decorreram as duas Grandes Guerras...
A escolha de Sesimbra enquanto território em estudo centrou-se em vários pressupostos. Sublinhe-se a pertinência do estudo de uma localidade em que a indústria conserveira desde cedo se implantou e que, paulatinamente, foi perdendo as suas unidades industriais, remanescendo apenas três grandes empresas. Essas conserveiras foram estudadas com maior exaustão, tendo em conta a sua exiguidade numérica. Para além de vila conserveira, Sesimbra possuía, da mesma forma, um importante porto de pesca, sendo outro dos objectivos desta investigação o de aferir a provável existência de uma relação próxima entre a indústria conserveira e a indústria pesqueira naquela área geográfica. Não podemos, ainda, esquecer que Sesimbra era um centro conserveiro próximo da capital e de uma grande cidade industrial, Setúbal. Da mesma forma, tornou-se interessante averiguar se esta localização, de grande proximidade em relação aos principais centros portugueses terá sido benéfica para a vila.
Nos primeiros anos da implantação do Estado Novo, enquanto regime político, que se seguiu a um período de transição, onde Portugal conheceu uma ditadura militar, podemos aferir que a indústria conserveira sesimbrense alcançou, na verdade, o estatuto de pequeno polo industrial, constituído essencialmente por pequenas empresas familiares. Se durante o início do século XX, esta vila experimentou uma pulverização empresarial de fábricas que eram atraídas pela abundância de peixe daquela costa, cedo estas encerrariam, devido essencialmente à retracção dos mercados inerente ao período pós I Guerra Mundial e ao início de uma política de condicionamento industrial, preconizada por Salazar. Esta política tendia a privilegiar as empresas de maior envergadura e mais bem equipadas. Nesse sentido, apenas três grandes conserveiras acabariam por se manter em Sesimbra durante mais tempo - Nero & Ca (Suc) Lda, Artur Duarte Borges, e Pereira, Neto & Ca - embora na década de 1940, uma delas, a Nero & Ca (Suc) Lda., deslocalizar-se-ia para o centro conserveiro de Matosinhos. Para além destas três sociedades, que se dedicavam à produção de conservas de peixe em azeite e molhos, não podemos, ainda, deixar de fazer referência à única grande firma sesimbrense que se dedicava à conservação do peixe pelo frio, a Viúva de Joaquim Covas & Filhos, Lda., uma grande empresa familiar que conseguiu permanecer em actividade durante quase um século. Este pequeno núcleo de empresas, que sobreviveu à situação económica que marcaria o período pós I Guerra Mundial e a implementação de uma política de cartelização do sector conserveiro, conheceriam um fortalecimento durante o período em que decorreria a II Guerra Mundial, pelo incremento de exportações para os países beligerantes.


O património do «saber-fazer». As experiências de organização científica do trabalho na Fábrica de Braço de Prata (da II Guerra Mundial à Guerra Colonial)
Ana Carina Azevedo
IHC - FCSH/UNL

A Fábrica de Munições de Artilharia, Armamento e Viaturas de Braço de Prata foi objecto de algumas experiências de organização científica do trabalho no período que medeia as vésperas da II Guerra Mundial e a década de 1960.
Data de 1936 o primeiro relatório[1] que se refere às questões da organização científica do trabalho. Trata-se de um estudo da Secção de Rearmamento do Exército sobre a Fábrica de Braço de Prata, elaborado por uma comissão encarregue de estudar a melhor forma de aumentar a sua produção com o menor encargo possível para o Estado, que revela que se deveu à conjuntura do rearmamento para a II Guerra Mundial o estudo sobre estas questões, talvez pela necessidade de evitar as debilidades sentidas durante o conflito anterior, no qual a fábrica não conseguiu fazer face às necessidades do Exército por falta de equipamento, e libertar o Exército da dependência estrangeira em termos de compra de armamento. A partir deste documento apercebemo-nos que, após o início do regime de industrialização em 1928, esta fábrica viu serem organizadas algumas das suas secções através da realização de vários melhoramentos ao nível da remodelação da escrita e da contabilidade, empenhando as direcções «os mais aturados esforços no sentido de darem à Fabrica melhor organisação, melhor arrumação e mais perfeita disciplina».[2] Estes melhoramentos implicaram uma mais racional organização do trabalho, processo que se desenrolou entre 1928 e 1934, não sem grandes dificuldades. Isto porque o relatório considera que o trabalho neste estabelecimento não era organizável, talvez pelo facto da sua organização ter já sido tentada anteriormente sem resultado ou até de forma contraproducente. As justificações para que tal tenha acontecido prendem-se, segundo o mesmo documento, com algumas das características da própria fábrica, entre as quais a escassez de encomendas e a variedade dos modelos produzidos, a maior insistência na área da recuperação de materiais do que na sua produção, a falta de instrumentos de medida, as dificuldades nos abastecimentos que obrigavam a paragens na produção, as deficiências nas instalações que não permitiam a montagem de serviços de preparação do trabalho e, por último, a afirmação de que o escasso volume de produção não compensava as despesas decorrentes da implementação destes serviços. Todos estes factores tornariam difícil a cronometragem e a divisão das tarefas, dificultando também a fabricação em série.
Apesar de tudo, a Fábrica Militar de Braço de Prata entrou, em 1937, num período de racionalização dos fabricos e de modernização dos processos de trabalho, rapidamente postos à prova pelas necessidades de rearmamento para a II Guerra, período durante o qual a fábrica recebe uma grande quantidade de encomendas a que tem de conseguir dar resposta. No entanto, parece ter sido na década de 1960 que se processou um desenvolvimento acentuado da organização científica do trabalho nesta fábrica, principalmente no que diz respeito à área da contabilidade e prémios de produção, muito possivelmente devido à conjuntura da Guerra Colonial e às necessidades de maior produção que esta desencadeou.

[1] Secção de rearmamento do Exército. Relatório de 1 de Março de 1936 sobre a Fábrica de Braço de Prata da Comissão nomeada por portaria de 27 de Dezembro de 1934. IANTT/AOS/CO/GR – 8, pt – 10 e IANTT /AOS/CO/GR – 9.
[2] IANTT/AOS/CO/GR – 8, pt. – 10, fl.5.


O Frio Industrial em Portugal: do Instituto Internacional do Frio ao Instituto Nacional do Frio
Susana Domingues
IHC - FCSH/UNL

A conserva de bens perecíveis através do frio artificial é um privilégio das sociedades industrializadas. Desenvolvida, fundamentalmente a partir do século XVIII, a tecnologia da refrigeração permite regular as actividades produtoras e garantir a sustentabilidade de grandes aglomerados urbanos. Em Portugal, o frio artificial chega pela mão do Estado Novo com o intuito de conservar o bacalhau, pesa embora o alerta da necessidade da indústria do frio no país tivesse sido dado por Braacamp no início do século XX, a par da nossa representação na primeira reunião do Instituto Internacional do Frio. As décadas de 30 e 40 são fundamentais para a implementação desta indústria ligada aos portos e aos matadouros. É desta maneira que uma arquitectura específica, aliada à tecnologia que lhe permite a função, marca a paisagem. As instalações frigoríficas ligadas a marcas estrangeiras ou como reforço de uma mensagem política, garantem a modernização do país. A importância do abastecimento durante e após a Segunda Guerra Mundial evidenciou o caracter fundamental de uma estratégia económica ligada à refrigeração. A higiene bem como a sazonalidade da alimentação são alguns dos motivos apontados. A rede do frio é equacionada na década de 40 mas só na década de 70 virá a fazer parte dos planos governamentais através do efémero Instituto Nacional do Frio. No que toca às colónias do ultramar, a indústria do frio representa, na década de 50 e 60, um avanço tecnológico reconhecido e reforçado pela metrópole. Por fim, os anos 70 e 80 serão uma referência para a indústria nacional do frio artificial em Portugal.


O Património ferroviário
Luís Filipe Gomes
Independente

Património industrial vs património ferroviário
Património Industrial, podem ser todos os bens móveis e imóveis que resultaram da actividade técnica e industrial da civilização industrial, que identificamos com valor cultural e cujas salvaguarda, conservação e valorização resultam em termos de fruição pública.
Antes do reconhecimento internacional do Património Industrial (1976), houve o boom da Arqueologia Industrial, relacionada com a transformação da Europa do pós-guerra, na sequência do Plano Marshall (1947) e o da 3ª Revolução Industrial com a automatização, a programação, a cibernética e a telectécnica.
Em Portugal, esse reconhecimento foi mais tardio em relação ao resto da Europa. Ele dá-se a partir de 1980, por via do associativismo de defesa do património. As exposições temáticas contribuíram para esse reconhecimento, como foi o caso da realizada na Central Tejo, em 1985, a qual contribuiu para a difusão das iniciativas de salvaguarda e musealização de estruturas fabris e mineiras.
A identificação e a defesa do património ferroviário
Em Portugal, a noção do valor do património ferroviário tardou a afirmar-se, dado que a consciência de novos patrimónios só ganhou expressão social e pública a partir de 25 de Abril de 1974. Os estudos históricos sobre a temática ferroviária contribuíram para a evolução deste novo ramo do saber. Diversas associações defensoras e amigas do caminho-de-ferro, começaram a dar voz à sociedade civil, em Portugal. Todas elas defendiam o caminho-de-ferro, como património cultural de Portugal, a sua valorização e promoção, a nível nacional e de determinadas linhas históricas, para além da própria ideia da necessidade de um museu ferroviário.
Os museus mineiros e o caminho-de-ferro
São vários os exemplos, em Portugal, de exploração de minas, onde os caminhos-de-ferro tiveram a sua importância. Com maior ou menor sucesso na sua exploração, elas foram servidas por pequenas linhas ferroviárias para facilidade de escoamento do minério.
Estas vias férreas de minas, também tiveram a sua história que merece ser conhecida. Afinal, elas podem ser a dinâmica conceptual da arqueologia industrial, podem ser o alicerce para a criação de museus industriais portugueses, como é o caso das Minas do Lousal, no concelho de Grândola, distrito de Setúbal, e as da região de Moncorvo, que deu origem ao Museu do Ferro da Região de Moncorvo, inaugurado em Dezembro de 1984 ou, ainda, o Museu do Carvão e das Minas do Pejão, em Castelo de Paiva. A investigação, irá viabilizar, ou nalguns casos, como vimos, já viabilizou, a produção de programas que, por si mesmos, desenvolveram as diversas perspectivas sociais, técnicas, industriais e culturais existentes nestes locais.
A investigação e a interpretação
Os contributos para a consolidação do património ferroviário são oriundos da seleção, identificação, incorporação e conservação dos diferentes tipos de veículos quer nas coleções nacionais, regionais, associativas e dos museus.
Há todo um trabalho a desenvolver em parcerias conjuntas, tornando as mesmas em mais-valias para toda uma comunidade ávida de conhecimentos, não só teóricos, mas numa constante procura de pôr esses mesmos conhecimentos numa prática que foi caindo em desuso, tornado cada vez mais difícil o reconstituir, fielmente, as características de um património cada vez mais valorizado por essas mesmas comunidades.
A conservação e o restauro
Com o crescimento dos museus ferroviários na Europa e no Mundo, verificou-se a necessidade de repensar o património ferroviário. A FEDECRAIL (Federação Europeia dos Caminhos-de-Ferro Turísticos e Históricos), com a publicação da Carta de Riga (2005), deu um contributo essencial na definição das políticas, estratégias e conceitos de preservação do património ferroviário. Este documento internacional identifica as linhas orientadoras para a manutenção, conservação, restauro, reparação e utilização dos veículos históricos dos museus ferroviários.
Casos práticos
 - Os maus exemplos | As locomotivas de gaia
Estacionadas numa estação de caminhos-de-ferro, em Gaia, há já várias décadas, vindas de Contumil, quando acabou a tração a vapor em Portugal, estão 6 Locomotivas, em estado deplorável.
 - Os bons exemplos | O comboio real (2010)
O Comboio Real é constituído pela Locomotiva D. Luiz, Salão Dª Maria Pia e Salão do Príncipe. Foi restaurado no início de 2010, sob patrocínio do Spoorwegmuseum de Utrecht, para integrar a exposição internacional Royal Class Regal Journeys a realizar nesse museu, na cidade de Utrecht, na Holanda, de 14 Abril a 05 de Setembro de 2010.
 - Os bons exemplos | O comboio presidencial (2012)
O comboio presidencial, espólio da Fundação Museu Nacional Ferroviário, é constituído por “seis carruagens”, de várias épocas: o salão restaurante, o salão presidencial, o salão dos ministros, o salão do chefe de estado, o salão dos jornalistas e o furgão afecto ao comboio.


A industrialização e o Património industrial: O processo de preservação do legado dos Caminhos de Ferro de Moçambique
Elsa Dimene e Daniel Inoque
Museu dos CFM

A industrialização em Moçambique está intimamente ligada ao sistema de transportes e comunicações que liga este território ao principal polo desenvolvimento da Região Austral de África, à República da África do Sul. Maputo pela sua excelente localização geográfica, atraiu investimentos na área de infra-esturura de transportes e comunicações que estiveram na origem da mudança da capital da então província de Moçambique, da região norte, Nampula (Ilha de Moçambique) para à região sul, à então chamada cidade de Lourenço Marques (Maputo). Este facto se justificava pela sua proximidade de acesso ao mar, sustentável via de escoamento da produção industrial, que tinha como centro de produção, às regiões do “interior” do território sul-africano e outros países do Interland.
O legado histórico e cultural âncora do desenvolvimento industrial do país, está em processo de sua preservação, tendo como instrumento de salvaguarda um museu especializado no património ferro-portuário, podendo estes vestígios serem encontradas em todo o território do país, sob forma de infra-estruturas, equipamentos, arquivos, bairros de operários, utensílios e ferramentas de trabalhos e outras formas ainda não devidamente estudadas e/ou identificadas.
Neste contexto, pretende-se analisar a importância do sistema de transporte ferro-portuário de Moçambique na economia do país, no sentido de estruturar o processo de patrimonialização do legado deste sector de actividade económica, que devido ao acelerado processo de desenvolvimento tecnológico, tem sido desactivado um vasto manancial de infra-estruturas e “super-estruturas” que importa preservar para o deleite da geração vindoura, e trazer ao de cima parte da história da industrialização do país, onde o sector ferro-portuário foi pioneiro, na estruturação da economia de vários pontos estratégicos do extenso território do país. 


Projecto Rota do Património Ferroviário no Barreiro
Rosalina Carmona
Movimento Cívico de Salvaguarda do Património Ferroviário do Barreiro

O transporte ferroviário foi o paradigma de desenvolvimento industrial do Barreiro em meados do século XIX, dando início a um processo dinâmico, que se prolongou pelo século XX. Todavia, no princípio do século XXI os comboios quase morreram no Barreiro, colocando em risco um valioso conjunto de património arquitectónico que, rapidamente entrou em degradação.

O Projecto Rota do Património Ferroviário no Barreiro foi criado e desenvolvido, pelo Movimento Cívico de Salvaguarda do Património Ferroviário do Barreiro, como forma de chamar a atenção para dois aspectos:
 - O abandono a que a maior parte das instalações ferroviárias está votado.
 - A importância do património ferroviário como lugar de reencontro da comunidade com a sua história e como motor de novas oportunidades de futuro.
A Rota do Património Ferroviário assenta no conceito de cultura ferroviária, que se baseia em três ideias chave:
 - Uma cultura técnica própria
 - Uma expressão de associativismo próprio: o associativismo ferroviário
 - Um significativo conjunto patrimonial edificado.

Arte do Vazio - A comunicação visual nas latas de conserva de pescado português
Ana Jesus
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias

A investigação realizada centrou-se no estudo da implementação da indústria conserveira portuguesa e nos seus produtos, desde a criação das primeiras fábricas no país, em Vila Real de Santo António e Setúbal, passando pelas suas particularidades de confecção e embalagem, dando particular importância à evolução das latas, que as conservam e as promovem.
Portimão foi uma das localidades onde se implementaram diversas unidades fabris, nacionais e estrangeiras onde diversas marcas foram desenvolvidas, nomeadamente a Marie Elisabeth Brand, uma das principais marcas de conservas considerada por muitos a rainha das conservas portuguesas.
O estudo sobre as latas de conserva de peixe do polo conserveiro de Portimão não teve como objectivo distinguir quem fez, mas o que se fez, como foi projectado e quais os processos inerentes a cada fase até à sua comercialização.
Os objectivos específicos para a fundamentação da investigação pretendem assim:
 - Enquadrar e valorizar a indústria conserveira portuguesa no início do século XX até meados da década de 60;
 - Descrever a arte do vazio — desde a impressão da folha de flandres, às diversas fases de concepção do corpo da lata — e a arte do cheio — processos do desenvolvimento do produto;
 - Conhecer e compreender o processo litográfico e seus materiais — esboços, pedras litográficas, tintas, cunhos, cortantes;
 - Definir os elementos visuais predominantes nos grafismos das latas de conserva;
 - Apresentar e caracterizar a marca, as latas e envoltórios Marie Elizabeth Brand, observando e qualificando os seus elementos gráficos, — marca, cor, tipografia, ilustração — nas provas existentes ao longo das diferentes épocas.
O passado e a memória colectiva foram um dos principais pontos de partida para o desenvolvimento desta temática. A procura de vestígios de um passado visual, de um objecto que pertencesse ao nosso quotidiano através da sua funcionalidade e mensagem, foram determinantes para a escolha do objecto de estudo.
Partindo destes pressupostos, as latas de conserva permitem abordar três aspectos importantes: um objecto de design, fundamental para o Homem, a sua comunicação visual e uma das maiores indústrias portuguesas, que se desenvolveu durante o século XX, sendo exportada para diferentes pontos do mundo.
Ao iniciar-se as primeiras pesquisas sobre a indústria conserveira em Portugal, facilmente se descobre a multiplicidade de caminhos que já foram explorados no âmbito histórico, social, económico, alimentar entre outras vertentes que enalteceram a indústria conserveira e seus produtos estando, no entanto, por explorar toda a sua comunicação visual e grafismos peculiares, deixando um vazio literário nas áreas associadas à criação e concepção das latas de conserva de peixe ou mesmo à produção associada ao processo da arte do vazio.
A necessidade de compreender de onde partimos até onde podemos chegar conduz-nos à questão do que realmente sabemos sobre o design de comunicação em Portugal.
A elaboração da investigação foi baseada na metodologia qualitativa, objectivando uma melhor compreensão e interpretação dos significados e significações da linguagem visual utilizada nas latas de conserva de pescado.
Os instrumentos utilizados para a sistematização da investigação basearam-se na recolha de dados, através da captação de imagens de acervos e inventários, na entrevista, observação e análise dos conteúdos, dando seguimento a um tratamento detalhado da informação da história da indústria conserveira portuguesa, das latas e dos elementos estruturais da comunicação visual nelas implementada.
As referências físicas, teóricas e documentais presentes nesta investigação retractam a marca, durante o seu século de vida, através do espólio do caderno litográfico onde se constatou uma evolução ao longo dos tempos das variadas latas de conserva referentes a cada especialidade, nas vivências relatadas pelo litógrafo Lourival Monteiro D’Areiaz, e as latas existentes no Museu de Portimão nomeadamente até meados da década de 60 do século.
O artigo tenciona primeiramente contextualizar as transformações operadas no início do século XX, os factores socioeconómicos, culturais e tecnológicos, que permitiram um novo posicionamento e uma nova visão sobre as necessidades das massas.
Retratar a realidade de uma das maiores indústrias que operou em Portugal durante mais de um século, a indústria conserveira, a sua implementação, a sua ascensão e as suas duas áreas específicas: o cheio e o vazio.
A comunicação visual, através da observação geral dos elementos visuais predominantes nas diferentes latas de conserva de pescado, do pólo conserveiro de Portimão e, por último, o estudo pormenorizado da marca Marie Elisabeth Brand.


Marques Abreu e Henrique Gomes da Silva: uma relação patrimonial
Pedro Aboim Borges
ESHTE

Marques Abreu estabelece uma sólida relação de amizade com Henrique Gomes da Silva, em 1929, coincidindo com a nomeação deste como Director-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais. Esta amizade vai extravasar a inicial relação alicerçada na defesa e restauro dos Monumentos Nacionais, “cruzada” que Marques Abreu iniciara, na sua revista Ilustração Moderna, a partir de 1926, data da sua criação. Esta “cruzada”, assim denominada por Marques Abreu e o grupo de amigos que à sua volta se congregam, com o mesmo propósito, tem na figura de Alfredo Magalhães, então Ministro da Instrução, a sua figura de proa e que merecerá deste grupo os maiores encómios e apoios. A Ilustração Moderna tornar-se-á, assim, o principal veículo de divulgação da actividade restauradora “iniciada” por aquele Ministro. A criação da DGEMN, em 1929, e a nomeação do engenheiro militar Henrique Gomes da Silva para seu director-geral originará, naquela revista e no seu editor, Marques Abreu, um movimento de euforia patriótica e restauradora até então relativamente controlada. Através da análise da correspondência trocada entre Marques Abreu, Gomes da Silva e Alfredo de Magalhães, é possível construir e deslindar uma série de mecanismos e decisões que, aparentemente, não pareciam ter grande sentido. A Ilustração Moderna vai publicar uma série de artigos e notícias, não assinadas, mas da autoria inconfessa de Marques Abreu, sobre as actividades de restauro da DGEMN, os problemas que lhe irão ser colocados, as questões burocráticas, os processos de restauro em que Marques Abreu se encontra implicado directa e indirectamente (Lourosa, Museu de Guimarães, Santiago de Coimbra, Sé velha de Coimbra, Cete, Pombeiro e Paço de Sousa, ...) entre outros assuntos, alguns com carácter mais político, matéria em que Marques Abreu se mostrava de extrema discrição. Um dos processos que motivou mais polémica, transposta para as páginas da Ilustração Moderna e extremamente palpável na correspondência é o de S. Pedro de Lourosa, igreja do início do séc. X, “descoberta” fotograficamente por Marques Abreu em 1910, alvo de estudos parcelares por Joaquim de Vasconcelos, Virgílio Correia e D. José Pessanha, e Monumento Nacional em 1916. Este processo, onde Marques Abreu integra a respectiva Comissão administrativa, irá desenrolar-se por um período de cerca de 4 anos (1930-1933), com diversas fases e estudos. A Ilustração Moderna, pela mão e bolsa de Marques Abreu, empreende um estudo sério e interdisciplinar sobre a melhor forma de restaurar o templo. Para isso, MarquesAbreu socorrer-se-á do seu amigo de longa data, Pe. Aguiar Barreiros, autor de estudos vários, do arquitecto José Vilaça, que realizará diversas plantas e cortes, baseado na visita a vários edifícios religiosos na vizinha Espanha e do mesmo período, o recurso à colaboração de Gomez-Moreno, especialista espanhol na arquitectura religiosa pré-românica, dos conselhos de Joaquim de Vasconcelos e de D. José Pessanha (este visitará o local várias vezes), apresentando um estudo completo sobre a sua proposta de restauro para S. Pedro de Lourosa, publicado naquela revista, até Dezembro de 1932. O arquitecto dos Monumentos Nacionais do Norte encarregue deste restauro será Baltazar de Castro. De início protegido por Marques Abreu e pela Ilustração Moderna, a relação entre os dois azedar-se-á, motivando várias queixas de Marques Abreu a Gomes da Silva, que tentará equilibrar a contenda e apaziguar os ânimos, notando-se que este, apesar de algumas ameaças veladas, nunca conseguirá a demissão de Baltazar de Castro daquele restauro. Será um processo que afectará sobremaneira Marques Abreu, levando-o a terminar a Ilustração Moderna em Dezembro de 1932, com um artigo final bastante contundente, e à sua saída da Comissão administrativa de S. Pedro de Lourosa, apesar da opinião contrária quer de Gomes da Silva, quer de António de Vasconcelos. Mas Lourosa, apesar de todos estes contratempos, merecerá, de Marques Abreu e de Aguiar Barreiros, uma monografia dura em relação ao processo de restauro de que foi alvo. Uma monografia inovadora na forma e na apresentação gráfica, que merecerá, da parte de Gomes da Silva, o pedido formal a Marques Abreu para que sirva de modelo para o nascente Boletim da DGEMN, contando Gomes da Silva com a colaboração de Marques Abreu na gravura e edição.


O valor dos documentários – o património industrial em imagens
Paulo Miguel Martins
CECC - Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa

Uma fonte válida para o estudo da actividade industrial são os documentários, tanto aqueles que foram realizados sobre uma fábrica em concreto, como os que se focam num grupo empresarial mais vasto.
Com esta comunicação pretendemos demonstrar o valor deste género de filmes, pois constituem um património pouco conhecido, mas com úteis informações no campo económico, social e cultural tanto das empresas representadas, como do contexto global do país.
Para o período entre 1933 e 1985 estão inventariados cerca de 300 documentários “industriais”, muitos deles disponíveis no ANIM – Arquivo de Imagens em Movimento. Além disso, em muitas instituições permanecem por explorar acervos e material cinematográfico que esperam investigadores interessados em analisar esses conteúdos. Praticamente todos os sectores de actividade económica, da indústria alimentar à vidraceira e muitas outras, possuem filmes realizados ao longo de décadas.
Através do estudo destes filmes é possível ficar a conhecer melhor os processos de fabrico, o funcionamento de equipamentos, qual o tipo de relações laborais apresentadas e também alguns aspectos sobre a situação económica e social da empresa na altura do documentário. Claro que não podemos esquecer que num filme a realidade projectada não é a real, mas a que foi captada e registada com uma intencionalidade. Por isso, ao estudar um filme é necessário pesquisar também qual o motivo da sua realização: quem o encomendou, quem o realizou e qual o objectivo. O aprofundamento de todas estas questões irá revelando o contexto da época e o propósito da sua execução. Por exemplo, o de aumentar o prestígio da instituição como forma de captar novos investimentos; para celebrar uma efeméride fortalecendo o espírito de equipa e o próprio conceito de “companhia” entre todos os agentes envolvidos; ou de conseguir demostrar o seu poder e solidificar um estatuto adquirido…
O cinema torna-se assim um elemento de “Memória” que em complemento com outras fontes arquivísticas, pode revelar como a indústria se serviu da 7ª Arte para transformar a “técnica” em “estética”. Com efeito, a linguagem cinematográfica permite ilustrar máquinas e artefactos como “sinais de modernidade”; transformar uma linha de montagem em algo que represente “quantidade de produção”; o simples carregar num botão mecânico pode aparecer como o desencadear de uma “corrente de eficácia produtiva” e ainda exibir “qualidade” através de imagens em ângulos de pura contemplação. Foram muitos os cineastas como Manoel de Oliveira, António-Pedro Vasconcelos, entre outros, que realizaram documentários deste género, pelo que a actividade industrial foi também um apoio para a actividade cinematográfica ao abrir-lhe um campo de experimentação e realização artística.
Nesta comunicação abordaremos o caso concreto do documentário “EFANOR – bodas de ouro da empresa fabril do norte”, realizado por César Guerra Leal em 1957. É exibida a organização da empresa, o binómio Homem-Máquina, focando ainda as correntes que dentro da companhia defendem tanto o valor mais industrial como o  rural. As imagens e números que vão sendo referidos ao longo reforçam os motivos para festejar não só as “bodas de ouro” como o crescimento que se projectado.
Em conclusão, partindo do exemplo deste filme os documentários industriais possibilitam um contacto dinâmico com o passado e comprovam-se como mais uma fonte histórica de conhecimento que vale a pena explorar.


De destroço a navio – O caso do SS Dago
Jorge Russo
Universidade Aberta

No dia 15 de Março de 1942, o vapor mercante Britânico SS Dago era afundado à bomba por um Focke-wulf 200 Condor Alemão ao largo de Peniche. As fontes primárias apontam de forma clara a localização do afundamento, mas a existência de dois destroços correspondentes a navios a vapor, nas coordenadas consistentes com aquela, distando apenas 500 metros um do outro, exigiam um exercício de correlação destroço-navio.
Este exercício exigiu um método, ou pelo menos um ensaio metodológico, atendendo a este tipo de abordagem, nomeadamente no que respeita a esta cronologia por um lado, e a profundidade a que se encontram os destroços por outro, -50 metros.
A relação destroço-navio, ensaiou-se então através de metodologia composta por duas abordagens que se complementaram nos dados: O recurso à tecnologia de propulsão a vapor enquanto marcador cronológico, e, comparação de aspetos estruturais notáveis entre os destroços e a documentação técnica conhecida do navio.
Serão os resultados deste ensaio metodológico e abordagem, que permitiram descartar um destroço e comprovar a correlação destroço-navio do outro, que pretenderemos mostrar no presente.


Centenário de um naufrágio – proposta metodológica a aplicar
Sandra Marques
FCSH-UNL

O objectivo desta comunicação é inserir na discussão da história industrial portuguesa da pesca o estudo dos navios a vapor  cronologicamente situados na transição para o século XX. Efectivamente, a introdução do arrasto industrial nas formas de captura de peixe, evidenciou que os métodos tradicionais não conseguiam ser competitivos nos novos mercados. Por outro lado, mostrou, através do debate na época, que a intensificação na captura se mostrava nociva para os fundos marinhos e para a sobrevivência das espécies. O Litoral de Cascais afirmou-se, ainda durante o reinado de D. Carlos, fundamental para este debate e para o desenvolvimento económico e social desta região. De facto, considerada a riviera portuguesa, esta costa teve a dicotomia de agregar a corte da monarquia e juntar profissionais e empresas das mais diversas localidades do país. As empresas trouxeram consigo conhecimentos e técnicas que vieram acrescentar valor a uma região tradicionalmente dedicada a pesca.
É neste ambiente histórico que se insere o vapor de pesca «Arrábida» naufragado, em 1914, a entrada da Barra do Tejo, junto a Cascais. Lida no horizonte da Arqueologia Naval, esta análise pretende evocar e sintetizar as problemáticas da construção de navios nos inícios do século XX. Observado no conceito de Arqueologia Marítima, esta análise embrionária foca, como aspectos essenciais, a formação de sítio enquanto vestígio arqueológico inserido numa metodologia que vai para além do simples registo. O estudo que buscamos orienta-se para uma proposta de metodologia arqueológica não intrusiva, alimentada por um levantamento das partes essenciais dos destroços que caracterizam a época de construção desta embarcação. Estes vestígios,  inseridos num ambiente estuarino, são condicionados pela dinâmica directa da entrada da Barra do Tejo. As correntes e a maré são aspectos de debate e de condicionante na evolução do sítio arqueológico, tanto do ponto de vista da sedimentação como da conservação da liga aço, matéria-prima para a construção do seu casco.
Registado no campo da tradição marítima, este é um dos pesqueiros utilizados sobretudo pelos pescadores de Cascais/Oeiras, inserindo-o numa malha identitária mais profunda ligado a memória das pescas. Este valor imaterial é objecto de crítica ao postulado pela UNESCO e ao limite cronológico dos 100 anos para atribuição de valor de património arqueológico subaquático aos destroços da época industrial. Efectivamente este destroço está ser tratado como arqueologia nas vésperas do centenário do seu afundamento que será já no próximo ano em 2014.
Por fim, o estudo proposto beneficia do enquadramento do projecto da Carta Arqueológica Subaquática de Cascais, que é fruto do protocolo entre a Câmara Municipal de Cascais e Centro de História de Além-Mar da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e da Universidade dos Açores, e do trabalho desenvolvido no âmbito do Mestrado em Arqueologia da mesma faculdade. Junta assim arqueologia naval, arqueologia subaquática, arqueologia industrial, tecnologias e história das pescas, numa perspectiva multidisciplinar.


Divulgar o património Cultural Subaquático: O caso do Clipper Thermopylae. Estratégias de socialização e valorização
Jorge Freire, Augusto Salgado e António Fialho
CHAM-FCSH/UNL

Em 1907, durante um exercício naval com torpedos, era afundado ao largo de Cascais, um dos últimos grandes veleiros comerciais da segunda metade do século XIX. Construído na Escócia em 1868, o Clipper Thermopylae marcou uma época na navegação transoceânica. Este expoente máximo da construção compósita, ferro e madeira, percorreu os mares da china, da Austrália e do Canadá, batendo recordes de navegação à vela. Foi imortalizado através  de uma herança literária em que se destacou a rivalidade com o Clipper Cutty Sark no  comércio do Chá com o Oriente.
Os paradigmas económicos e técnicos de um mundo sempre em mudança ditaria, que nos finais do século XIX, este tipo de navio perdesse toda a rentabilidade para a qual tinha sido construído. Seria vendido à Marinha de Guerra Portuguesa, em 1895, para servir como navio escola. Adquire o nome de um dos maiores matemáticos do século XVI: “Pedro Nunes”. Porém, um costado em mau estado, marca de uso e de servidão em mares rigorosos, impede que navegue como navio escola. Viria a ser utilizado durante 10 anos como “pontão” de carvão, até que os acontecimentos de 1907 suscitem o desencadear de todo um processo de transformação de um local de depósito em sítio arqueológico subaquático.
Reduzidos ao estatuto de pesqueiro anónimo frequentado pelos pescadores, os vestígios foram formalmente identificados quase um século após o afundamento e pouco depois integrados no tecido patrimonial da região. Os trabalhos realizados no arqueositio, enquadrados no projecto Carta Arqueológica Subaquática de Cascais, têm permitido por em destaque os parâmetros técnicos, físicos e culturais associados a este naufrágio que se cruza com a história da oceanografia, gestão das pescas em Portugal. Este particularismo conduz a uma abordagem transdisciplinar na qual a arqueologia deste navio se molda no espaço identitário, físico e cultural permitindo nesta reflexão discutir a avaliação, a gestão e a fruição dos destroços submersos.


Centros produtores de cerâmica em Lisboa Ocidental: colorir a cidade, servir em casa
Augusto Moutinho Borges


Água, ferro e alvenaria: os desígnios de um político, a batuta de um geólogo
José Manuel Brandão e Pedro Miguel Callapez
CEHFCi – U. Évora e Departamento de Ciências da Terra. FCT-UC

De pequena aldeia piscatória sobranceira à vila de Buarcos, a Figueira da Foz floresceu na dependência de um dos poucos portos de abrigo existentes na costa oeste de Portugal, entre as barras do Porto e de Lisboa. Importante corredor de ligação ao interior do país, o Rio Mondego cedo constituiu incentivo para que um substancial desenvolvimento mercantil aí tivesse lugar, fomentando atividades de construção e de reparação naval, bem como de produção e abastecimento de víveres e de transporte de mercadorias.
Aquando da sua elevação a cidade (1882) e da inauguração da linha ferroviária do Oeste (1888), a Figueira da Foz já podia ser tida em conta um dos principais centros económicos da Beira Litoral com ligações ao tráfego portuário e à faina maior, a par de pequenos polos industriais vocacionados para exploração de carvão e de pedra de construção, e para a produção de cal hidráulica e de vidro.
Em simultâneo com este ímpeto local de Revolução Industrial, a prevalência de um clima ameno e de um espaço natural com praias de areia dourada, peixe e marisco abundantes, situado não longe dos banhos termais da Amieira, Bicanho e Azenha, também contribuíram para converter a Figueira da Foz numa convidativa estância de veraneio ao gosto da Belle Époche, recheada de casinos e de outras muitas atividades lúdicas, que a burguesia portuguesa de finais de novecentos soube aproveitar.
Uma das consequências negativas mais imediatas desta expansão económica e demográfica, consistiu na constante escassez de água potável que se vinha a sentir ano após ano, particularmente agravada na época estival, mercê do crescente turismo, balnear e termal. Este problema de salubridade pública levou o executivo municipal, então presidido por António dos Santos Rocha (1853-1910) a confiar a Joaquim Fillipe Nery Delgado (1835-1908), reputado engenheiro e Diretor da Comissão Geológica do Reino, a execução de um projecto de captação de águas para abastecimento da população.
O sistema planeado, cuja construção se iniciou em 1886, compreendia uma rede subterrânea de galerias de captação e condução de águas escavadas em arenitos do Jurássico Superior do flanco meridional da Serra da Boa Viagem, uma conduta de adução em ferro fundido e, à entrada da Vila, a cota elevada, um reservatório de grande capacidade para a época, do qual partiria a rede de abastecimento ao domicílio, a construir pela concessionária na sedo do município.
A instâncias da Câmara Municipal, a The Anglo-Portuguese Gas and Water Supply, empresa com a qual foi celebrado o contrato para prospeção e exploração das águas da Figueira da Foz, foi também instalada uma rede de chafarizes para o livre abastecimento dos residentes e veraneantes. Este sistema, inovador para a época, consistiu um fator de modernidade que contribuiu para o desenvolvimento local durante os anos conturbados da Primeira República. Não obstante, as necessidades decorrentes do crescimento demográfico cedo revelaram a carência de novas captações, para que a rede de abastecimento pudesse ser ampliada convenientemente. Este facto acabou por levar a que, em 1921, a autarquia procedesse ao resgate da concessão, daí vindo a surgir os serviços municipalizados de abastecimento de água.
Quanto a esta notável peça de engenharia hidráulica, embora a tipologia e os locais de captação tenham sido alterados com o correr do tempo, mantém-se ainda operacional o reservatório projetado por Nery Delgado para o Alto do Pinhal, ainda que ampliado há algumas décadas, quando os serviços municipalizados transferiram a sua sede para o próprio local. Cento e vinte anos depois da sua colocação em funcionamento, ainda subsiste, também, um património notável constituído por diversos fontanários decorados, moldados em ferro fundido, como elementos históricos e funcionais da cidade, ainda que ameaçados pela ferrugem e pelo esquecimento.
No seu conjunto, estes soberbos monumentos técnicos de finais de novecentos constituem importantes marcos na história social económica da Figueira da Foz, para além de testemunharem o pulso de dois homens notáveis: a iniciativa de Santos Rocha em prol da modernidade da florescente estância balnear, e o rigor científico de Nery Delgado, um dos mais prestigiados pioneiros da história da geologia portuguesa.


Minas: paisagens, ruínas, miragens – o objecto sócio técnico volfrâmio. Arquivo audiovisual de património e indústria mineira
Otilia Lage
CITCEM

O Volfrâmio, mineral metálico estratégico do séc. XX, no dizer de Jorge Álvares Pereira, técnico destacado da Fundição de Ferrotungsténio das Minas da Borralha (Montalegre), a única unidade industrial transformadora portuguesa do género, foi objecto de intensa disputa entre os grupos beligerantes da II Guerra Mundial, Aliados e Eixo, aproveitando a ambos e de modo singular a Portugal. A sua exploração, deixou na sociedade e no território português inúmeros e diversos traços e vestígios que nos propusemos investigar e contribuir para  recolher e registar memórias da sua existência e preservar e inventariar esse nosso património material e imaterial histórico.
Desse processo de pesquisa desenvolvido durante 5 anos de 1995 a 2000, com vista a organizar uma base de dados e fontes documentais diversas (escritas, orais, fotográficas e audio-visuais) sobre a extracção, transformação e comercialização do volfrâmio português, reconstituindo assim também imagens, traços e sons de um notável património histórico industrial e cultural, resultou a construção de um longo arquivo áudio - visual intitulado Minas: ruínas, paisagens, miragens e constituído por dezenas horas de filme, compreendendo designadamente ruínas de empreendimentos mineiros, jazidas geológicas, equipamentos e maquinaria, elementos culturais associados, entrevistas a numerosos informantes privilegiados, muitos já actualmente desaparecidos, para além de sequências fílmicas portuguesas e galegas, referentes ao designado “Quadrilátero do Volfrâmio”.
Abordando os temas genéricos História, Património e Indústria, faz-se a apresentação, descrição documental e interpretação do referido arquivo audio – visual, na sua maioria ainda não editado, mas ilustrativo de uma dimensão importante da arqueologia industrial mineira portuguesa, cujo projecto de construção, no âmbito da nossa tese de doutoramento (Universidade do Minho, 2001), foi apoiado pela FCT, e o qual documenta não só o episódio central da nossa contemporaneidade que foi a exploração do Volfrâmio, em Portugal (anos 1930-1960), mas permite estabelecer também uma Cartografia de memórias, representações sociais e culturais do objecto sócio-técnico base de tal processo social e histórico.
Releva-se a importância dessa infraestrutura documental resultante de demorado, vasto e sistemático processo de investigação, levantamento e organização de fontes de arquivo de empresas e serviços mineiros, antigas e actuais minas de Volfrâmio, no Norte e Centro de Portugal e Galiza, com destaque para os recursos naturais, geológicos e económicos das maiores minas portuguesas de volfrâmio, as Minas da Panasqueira e o Couto Mineiro da Borralha e muitos outros empreendimentos mineiros de pequena e média dimensão (Arouca, Regoufe, Ribeira de Pena, Adoria, Vale das Gatas, Bejanca, Covas, Ribeira, Argozelo, Carrazeda, etc.) explorados por companhias e capitais nacionais e sobretudo estrangeiros ( ingleses, alemães, belgas, etc.) e dispersos pelas regiões das Beiras, Trás-os-Montes e Minho, marcas e traços na importante província estano-tungstífera  da Península Ibérica.


Do interesse dos registos dos manifestos da descoberta de minas
José Miguel Leal da Silva
IELT - FCSH-UNL

Considera-se que os registos de manifestos da descoberta de minas, lavrados nas Câmaras Municipais desde a legislação mineira de 1852 até ao pacote legislativo sobre recursos minerais de 1990, em que foram substituídos pela formulação contratual, constituem, pelo seu conteúdo, um valioso elemento para o estudo do “ímpeto mineiro” e da sua evolução nos concelhos em que os respetivos livros possam ser consultados. Certo é que, muitas das vezes, carecem de suficiente rigor e que muitos serão formulados com intuitos meramente especulativos ou de proteção. Mas a identificação dos manifestantes e a discriminação mínima exigida pela lei aos conteúdos ajudam a reconhecer os enquadramentos  sociais  dos que os produziram, a presença e a intenção de entidades forasteiras, a intervenção de intermediários e o próprio rigor de cada exposição.
Infelizmente considerados como meros atos menores e incipientes do acesso à mina, face ao ato mineiro perfeito que se vai cristalizar na concessão, os manifestos mineiros (e consequentemente os registos deles lavrados) representavam encargos relativamente acessíveis e traziam responsabilidades menores (se algumas) aos que os depositavam, antes de acederem  ao escalão subsequente do processo administrativo-técnico que podiam ou não abrir. Poderia a sua produtividade (para usar termos atuais), mostrar-se escassa, gerando pouca mina de muito manifesto – mas facto é que se pode reciprocamente argumentar que, em tal processo, novas minas sem prévio manifesto não teriam existido.
Para além da componente pessoal que revelam, as informações contidas têm interesses mineralógico e  geológico, arqueológico e toponímico pelas matérias que expõem, os trabalhos que descrevem (quando conseguem vencer  a fórmula banal de menção da descoberta “por simples exame à superfície” e referem trabalhos antigos) e pelas menções de locais e de delimitações constantes da exposição feita.
A cresce que, mesmo numa amostragem muito limitada, se constata que muitos dos referidos livros estão hoje em estado deplorável ou a caminho do ilegível. Outros desapareceram deixando hiatos que até tendem a incidir em  períodos previsivelmente interessantes. Outros ainda deixaram de existir, vítimas de incêndios ou de outros desastres, providenciais ou não.
Pretende-se com a comunicação:
 - Caraterizar a ato jurídico e o normativo que lhe subjaz;
 - Esmiuçar o que o respetivo conteúdo diz;
 - Apreciar o que do conjunto (em requerentes, representantes, natureza do objeto  e localizações registadas) se pode inferir;
 - Analisar alguns dos riscos a que esta documentação está atualmente sujeita.


Salomão de Vasconcelos e a construção patrimonial mineira
Pollianna Gerçossimo Vieira
Universidade Federal de Ouro Preto

A comunicação almeja demonstrar, através das obras, Verdades Historicas – A Sedição De 1720 Em Vila Rica E A Viagem De D. Pedro I(1936), O Palácio De Assumar – Estudo Crítico-Histórico (1937) e Mariana e seus Templos – Obras D’arte Do Tempo Colonial (1938), a emergência do processo dinâmico de patrimonialização das cidades mineiras durante o início do século XX, principalmente da cidade de Mariana, que segundo Vasconcelos é o lócus de onde germinou a civilização, a tradição e a religião – tripé fundamental na constituição da nação. Tais obras são essenciais para entender o cenário de materialização que estava se constituindo em plena política de “reconstrução da nação” - adotada pelo Estado Novo - com a criação do SPHAN, hoje IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Os intelectuais da década de 30 do século XX estavam todos envolvidos na formatação da nação, inaugurando um novo tempo em oposição ao velho – chamado, pelos intelectuais, de República Velha. A inauguração do “novo” impõe um distanciamento temporal àquele que precisa ser superado, ou seja, ao “velho”, com isso a expectativa se volta para o futuro moderno e civilizado. O projeto de modernização e valorização cultural visa à homogeneização da nação, para isso volta-se ao passado em busca da identidade nacional, e neste âmbito o passado colonial – do barroco setecentista mineiro – foi privilegiado pelos intelectuais do Estado Novo. As obras, acima referidas para a comunicação foram escritas por Salomão de Vasconcelos, que escreve em meio às discussões sobre a conservação dos bens fundadores da identidade nacional. Vasconcelos nasceu em 1877 na fazenda São João de Crasto em Mariana, sobrinho do ilustre historiador Diogo de Vasconcelos, com que morou um tempo, e pai de Sylvio de Vasconcelos, importante arquiteto mineiro. Foi considerado um grande historiador pelo envolvimento nos estudos da História de Minas Gerais. Suas obras foram de extrema importância no cenário da produção historiográfica na primeira metade do século XX. Colaborou com pesquisas e artigos publicados na Revista do SPHAN (IPHAN). Autor de diversos livros teve um papel fundamental no tombamento da cidade de Mariana em Monumento Nacional. Na análise das três obras citadas procuramos apreender as relações entre injunções teóricas e metodológicas e, por meio destas, os modos específicos de construção de uma temporalidade própria a Minas Gerais; e para isso empreendemos a análise de conteúdo. Na leitura feita demos atenção especial à valorização designada a Minas no cenário nacional, tanto em seus monumentos quanto nos eventos ocorridos no período colonial. Em todas as obras, Minas é tomada como metonímia da nação, é considerada o lócus do alvorecer da Pátria. Por isso Vasconcelos considera Minas, mais especificamente a cidade de Mariana, importantes no processo de formação da nação. No sentido de continuidade do processo civilizacional, que segundo o autor começou no passado colonial mineiro, os tombamentos feitos nas cidades mineiras e em especial na cidade de Mariana são essenciais para a preservação da tradição e da religiosidade, elementos primordiais da civilidade e da memória.


La minería del carbón en el franquismo y el papel del I.N.I. (1939-­1975). La historia minera como Patrimonio Nacional: Hunosa, Encasur, Endesa, E.N. Adaro
Miguel Ángel Álvarez Areces
Presidente de INCUNA (Industria, Cultura y Naturaleza)


Estúdios Fotográficos Oitocentistas: exemplo de um outro património
Carmen Almeida
CEHFCi – U. Évora e Arquivo Fotografico da CME

A fotografia constitui uma realidade social global determinante na história do mundo contemporâneo, constituindo-se como um exemplo de património cultural material e imaterial (tecnologia e saber-fazer técnico, práticas sociais e culturais que lhe estão associadas, infraestruturas, construções, equipamentos e objectos, sítios e paisagens) que até há bem pouco tempo, era praticamente ignorado. Por outro lado, o discurso fotográfico tem evoluído, quer na sua componente técnica, quer na sua expressão artística, e o recente fenómeno digital ameaça remeter, aceleradamente, para o mundo da memória um conjunto de processos, artefactos e espaços fotográficos que importa preservar.
Assim, para além da abordagem tradicional de inserção da fotografia no campo de produção de objectos artísticos ou informativos, importa (re)introduzi-la no campo dos espaços e das práticas científicas e inseri-la nas redes de construção dos saberes. O laboratório fotográfico foi, desde o seu início, um lugar de experimentação científica, se bem que muitas vezes desenvolvida de forma empírica. Mas não só. Os primeiros estúdios fotográficos, verdadeiro sinónimo de modernidade social dos finais oitocentistas, foram também espaços de introdução de novos materiais e técnicas de construção, ligados à emergência da prática fotográfica como actividade industrial.
Os chamados estúdios com luz do norte, dispondo de galerias envidraçadas e laboratórios, para além da galeria fotográfica propriamente dita, constituem exemplos de um outro património, pouco conhecidos, por actualmente já serem escassos e, por isso mesmo, exigirem particular atenção.
Em alguns pontos do país existem ainda alguns poucos exemplos destes estúdios: para além da Casa –Estúdio de Carlos Relvas na Golegã, do Museu Vicentes no Funchal, existiam, até há bem pouco tempo, exemplos noutras localidades portuguesas, nomeadamente em Évora e Vila do Conde.
Para além da sua descrição, importa efectuar o seu mapeamento, de forma a preservar a memória deste tipo de património.


O espólio da Casa Reynolds:  fonte para a história da indústria da cortiça no Barreiro e sul de Portugal
Fernando da Mota
Arquivo Municipal do Barreiro

Uma das funções dos Arquivos Municipais é a de preservar os documentos à sua guarda, assim como, ter um papel activo na preservação e conservação de outros, que estando nas mãos de particulares correm o risco de perder.
Esta comunicação enquadra-se neste último ponto.
Esta história podia ter tido o fim de muitas outras que conhecemos: a documentação foi destruída. Contudo, esta história teve um fim diferente.
Em 2000 a última fábrica de cortiça do Barreiro encerrou as suas portas, depois da falência da empresa Essence que tinha as suas instalações na antiga Quinta Braamcamp, no Barreiro. Depois de uma década de abandono e pilhagem a antiga fábrica foi colocada em leilão público para venda de sucata.
Antes do desmantelamento da fábrica um fotógrafo recebe autorização para efectuar a recolha de imagens no interior da fábrica e quinta. Por acaso, descobre no chão de uma divisão, entre vários detritos, uma tela: um diploma da Exposição universal de Paris de 1900, bastante deteriorado. Mais à frente, rolos de um piano mecânico descem de um sótão. Decide segui-los. Aí em quatro baús encontra documentação que permite recontar a história da indústria na cortiça no Barreiro e sul de Portugal entre 1844 e 1935.
Ao tomar conhecimento a Câmara Municipal do Barreiro, através do seu Arquivo Municipal, consegue que a documentação seja entregue à sua guarda. Depois de transportada, limpa e analisada, efectuou-se o inventário da documentação que está hoje disponível ao público.
Mas, quem foram os produtores desta documentação?
Foram os Reynolds. Oriundos de Maidstone, no condado de Kent, região do sudeste da Inglaterra, o primeiro Reynolds que se relacionou com Portugal, Thomas William Reynolds Johnson, nascido em 1786. Com ele viriam seus filhos, Thomas, William e Robert Hunter Reynolds, nascidos respectivamente em 1811 e 1820, que vieram a criar a Casa Reynolds.
Dedicaram-se, pelo menos desde 1840 ao negócio da exploração e comércio de cortiça no Alentejo e Andaluzia e em 1844 instalaram-se na primeira destas regiões, fundando uma fábrica de cortiça em Estremoz (1844-1845), outra na Azaruja (1845) esta sob a direcção técnica do catalão André Camps que trouxe consigo operários rolheiros também catalães e uma outra em Portalegre (1847-1848?). Esta última foi de imediato vendida (1849) a George Robinson Chadevick, acabado de chegar de Inglaterra, que, assim, iniciou uma trajectória de sucesso, tornando-se um dos mais importantes industriais de cortiça a operar em Portugal no século XIX.
A história do fabrico de cortiça na Quinta Braamcamp iniciou-se em 1882 quando os irmãos Thomas e Robert Reynolds arrendaram a Quinta Braamcamp de George Abraham Wheelhouse e sua mulher, por 375 mil réis/ ano num período de 5 anos, com a promessa de ao fim de mais dois anos a poderem comprar por 3000 libras. Já nesse ano, Guilherme Reynolds comunicava aos primos Roberto, João e Tomás a transferência do fabrico de rolhas de Azaruja para o Barreiro.
A partir da descoberta desta documentação muito da história do período que vai da gestão da Casa Reynolds até à Sociedade Nacional Corticeira poderá agora ser contada. O texto que aqui termina pretendeu mostrar as potencialidades da documentação no estudo da indústria corticeira em Portugal, e em particular, no Barreiro. Como a família dos descendentes de Guilherme Reynolds lamenta: «Frustrados, atormentados y disgustados, los herederos de William sólo pueden esperar que con un pequeño milagro puedan algún día leer el resto de su história[1]».
Pois bem, parte dela foi agora descoberta.
O trabalho ainda agora começou.
Epilogo: a casa onde num sótão estavam guardados estes documentos, ardeu completamente num incêndio criminoso, um ano depois.

[1] Fonte consultada a 20 de Setembro de 2010 no site: http://reynolds.com.es


REDECOR – Rede Temática do Sobreiro e da Cortiça
Luís Gil
Laboratório Nacional de Energia e Geologia I.P.

A REDECOR – Rede Temática do Sobreiro e da Cortiça teve início numa outra rede designada por RTC (Rede Temática da Cortiça) criada, em 2004, no âmbito da Sociedade de Portuguesa de Materiais e da sua Divisão de Materiais de Origem Florestal, de âmbito mais restrito, rede essa que se pretendeu alargar numa fase posterior, dando origem à REDECOR.
Esta primeira rede desenvolveu trabalho de recolha e divulgação de informações sobre uma série de acontecimentos com interesse no domínio da cortiça. Os assuntos eram de carácter económico, científico, técnico e outros, sendo “alimentados” por notícias emanadas da comunicação social, publicações diversas, mensagens recebidas pelo coordenador da rede, nomeadamente por parte dos seus membros e ainda por pesquisa na internet. Toda a comunicação era estabelecida por e-mail. Esta rede foi sendo alargada, contando, na altura da transição para a actual REDECOR, com 177 membros de 4 países diferentes (Portugal, Espanha, Itália, França), de entre empresas e associações do sector, bem como Universidades, Laboratórios e outras instituições e pessoas com actividades e interesses nesta área.
A evolução desta primeira rede chegou a uma fase em que era preciso fazer algo mais, pelo que se pretendeu desenvolver um projecto baseado nesta iniciativa, “profissionalizando-o” e alargando o seu âmbito de intervenção, passando também pela organização de um encontro anual dos seus membros, pela criação e manutenção de um portal, onde será criado um fórum de discussão, promover-se-á a recolha, tratamento e divulgação de dados estatísticos específicos do sector, dinamizando a inovação no sector e promovendo as actividades das instituições participantes.
Assim, foram contactados vários parceiros tendo a parceria final ficado constituída por: LNEG (Laboratório Nacional de Energia e Geologia, I.P.), CTCOR (Centro Tecnológico da Cortiça), IMMAS (Instituto de Materiais, Manutenção Ambiente e Segurança), CSC (Confraria do Sobreiro e da Cortiça), INRB (Instituto Nacional dos Recursos Biológicos, I.P.), IST (Instituto Superior Técnico), CEF (Centro de Estudos Florestais), CMC (Câmara Municipal de Coruche), EURONATURA (Centro para o Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentado).
A informação  dividida nas seguintes áreas temáticas: Eventos; Social/Cultural; Curiosidades; C&T; Ambiente; Economia/Mercados; Rolhas; Aglomerados; Floresta; Concorrência; Diversos.
Para financiamento foi decidido concorrer ao Programa PRODER. Este projecto tem uma base temporal de 5 anos e os seus objectivos são:
 - criação e manutenção de um portal electrónico para suporte de uma rede de transferência de informação e de um fórum de discussão relativo ao sobreiro e à cortiça;
 - aumento da troca de informação e de discussão entre os vários parceiros e os destinatários da informação da rede, aumentando o seu grau de conhecimento;
 - potenciação de actividades económicas mais competitivas e inovadoras na área corticeira;
 - dinamização do desenvolvimento e utilização de novas tecnologias;
 - melhoria do desenvolvimento curricular das instituições de ensino nas temáticas específicas ligadas ao sobreiro e à cortiça;
 - interligação melhorada entre os agentes da produção e industriais com os principais pólos de investigação;
 - melhorar o conhecimento dos problemas para obtenção de resultados de I&D adequados;
 - promoção e interligação do desenvolvimento científico e tecnológico ligado a este sector;
 - promoção das parcerias e de projectos entre as instituições participantes;
 - criação de inovação e maior valor acrescentado na fileira da cortiça;
 - promoção e divulgação internacional aumentando o comércio externo e a utilização de produtos de cortiça;
 - aumento das capacidades de engenharia, arquitectura e design ligadas à cortiça;
 - maior consciencialização ambiental, social e cultural das temáticas relacionadas com o sector corticeiro;
 - melhoria da gestão e coordenação da I&D e dos meios disponíveis para responder aos problemas a resolver;
 - centralização e fornecimento de dados estatísticos;
 - apoio à definição de políticas de apoio sectorial;
 - participação de parceiros internacionais e internacionalização do circuito de informação;
Finalmente refira-se que o número total de contactos de pessoas que integram esta rede e recebem informação é de cerca de 1700, constituindo  este projecto uma importantíssima ferramenta com várias utilidades para a fileira da cortiça. Dado que a informação e participação são gratuitas, qualquer interessado pode apresentar uma manifestação de interesse (por exemplo, via e-mail)  em participar junto de qualquer um dos parceiros ou do gestor da REDECOR (luis.gil@lneg.pt).


ALBA: um património a preservar
Nélia Oliveira
Independente

A FÁBRICA ALBA fundada no início do século XX situa-se em Albergaria-a-Velha e foi um dos ícones mais importantes do concelho de Albergaria-a-Velha. Através desta empresa, o nome de Albergaria perpetuou-se no equipamento urbano, doméstico, bélico, industrial e desportivo, em alumínio e ligas não ferrosas. Aos olhos dos mais atentos o diverso equipamento urbano, desde candeeiros, bancos de jardim, tampas de saneamento e água, piretes de separação de trânsito, entre outro, encontra-se, presentemente, disperso pelos jardins e praças públicas por todo o país continental. Produziu ainda equipamento doméstico desde panelas, tachos frigideiras, espremedores de citrinos, quebra nozes, chaleiras, fervedores, conchas de sopa, terrinas, travessas, etc., etc.; apetrechos de equipamentos agrícola e industrial; equipamento bélico para canhões e granadas e por fim a construção de três automóveis de competição com várias vitórias em circuitos. Numa época de crescimento económico este equipamento caracterizava-se pelo vanguardismo da tecnologia e qualidade de produção de materiais.
A unidade fabril, tipicamente familiar, do segundo quartel do século XX aliás, como a maior parte do tecido empresarial da época, o Comendador Augusto Martins Pereira (1885-1960), foi o grande mentor do desenvolvimento da sua empresa. Natural de Sever do Vouga, desde muito novo começou a trabalhar como ajudante de fundição na Companhia das Águas de Lisboa. Trabalhou como fundidor em Lisboa, Covilhã e nas Minas do Braçal, em Sever do Vouga. Em data incerta vai trabalhar para a fundição das Minas de Aljustrel por um período muito curto. Em 1905 encontra-se em Ponta Delgada. Daqui parte para Boston com os irmãos trabalhando no mesmo ramo e aqui recolheu todo o tipo de conhecimento para promover a sua indústria. Regressando aos Açores, implementa em Ponta Delgada uma indústria de fundição de sinos em bronze. Provavelmente por ser um mercado restrito, alarga o negócio e cria em 1907 a Fundição Lisbonense, a sua primeira fundição de ferro, colocando em perigo o domínio da casa Bensaúde. Em 1921 vende-a e regressa ao continente.
Em 1924, a fim de aumentar capital regista a Sociedade Augusto Martins Pereira & Companhia Limitada. A partir desta data há todo um progresso industrial que se expande nos cerca de 30.000 moldes para produtos. A partir dos anos 40, devido ao desenvolvimento da empresa a família Martins Pereira sob a égide do Comendador inicia a construção de um conjunto de equipamentos de apoio social, cultural, desportivo e humanitário em Albergaria-a- Velha e Sever do Vouga. Constrói em Albergaria os seguintes equipamentos: Cine Teatro Alba (1950) obra cujo projecto de arquitectura é da responsabilidade doArquitecto e Eng.o José Júlio de Brito, do Porto, Casa da Criança (1952-53), constrói igualmente um conjunto habitacional para os quadros superiores da sua fábrica, (1940); para os trabalhadores permite a criação do Centro Cultural e Recreativo; Parque de Desporto e Recreio Alba (1940), aqui realizaram-se diversas modalidades desportivas destacando-se o Sport Clube Alba pelo futebol, fundado em 1941; sob a sua orientação apoia a criação de uma cantina e um armazém para minorar as dificuldades do abastecimento provocado pela II Guerra Mundial; incentiva a criação da Banda Alba e, numa acção conjunta com a Misericórdia de Albergaria, constrói as casas do Bairro da Misericórdia, o Hospital de Albergaria e a Casa dos Pobres com serviço de refeição a custos muito baixos. Em Sever do Vouga, apoia a construção do Cine Teatro Alba, do Hospital da Misericórdia e da Casa dos Pobres.
Em termos arquitectónicos as marcas encontradas nesta organização prendem-se com as características da arquitectura industrial do primeiro quartel do século XX, patente nos diversos edifícios espalhados ao longo da EN 1 por todo o país. Constituída por um grande pavilhão com áreas típicas da revolução industrial, nomeadamente: áreas de fabrico, armazenamento, circulação (a frente da fábrica para cargas e descargas), serviços (administrativos, laboratório, secção de exposição de produtos), depósito de desperdícios, refeitório e espaço lúdico de convívio, sala de estudo e biblioteca e área de terreno de reserva.
Nesta organização empresarial faziam parte dos quadros, nos anos 50-60, cerca de 600 funcionários, entre operários, administrativos, vendedores e gerentes cujo sentimento e espírito colaborativo crescia na direcção da imprescindibilidade ao progresso e desenvolvimento da empresa.
É sem dúvida um legado a preservar.


O Inventário do Património Baleeiro Imóvel dos Açores (IPBIA)
Márcia Dutra Pinto
OMA

Os Açores foram marcados durante mais de um século pela actividade baleeira. Com a extinção da caça ao cachalote, nos anos 80 do século XX, um vasto património relacionado com essa actividade ficou disperso pelo arquipélago. Em todas as ilhas são ainda visíveis múltiplos testemunhos que atestam os aspectos tecnológicos, sociais, económicos e históricos da baleação açoriana. Logo após o fim da baleação houve uma preocupação em salvaguardar o património baleeiro relevante. A constituição do Museu dos Baleeiros, nas Lajes do Pico, a recuperação e museografia da Fábrica de São Roque do Pico e a recuperação maciça de botes baleeiros foram as iniciativas mais visíveis. No entanto, o desaparecimento acelerado e progressivo de parte considerável de património baleeiro tem vindo a dissipar aspectos fundamentais da história da baleação nos Açores. Veja-se, por exemplo, o caso da Fábrica da Baleia de S. Vicente, em S. Miguel, demolida há apenas 5 anos.
Considerámos que o ponto de partida ideal para garantir a preservação desse património, que integra valores tecnológicos, científicos, sociais e económicos, fundamentais para o estudo desta actividade, seria a elaboração de um inventário sistemático e exaustivo, contendo todo o património baleeiro imóvel, ainda existente na Região Autónoma dos Açores. Este inventário será, pois, fundamental para o estudo do património industrial baleeiro, valorizando as estruturas existentes e fomentando o encorajamento da sua conservação, consolidação e reabilitação.
Um projecto de realização do Inventário do Património Baleeiro dos Açores (IPBIA) foi elaborado e submetido ao Governo dos Açores, que o financiou sob a forma de um contrato técnico-financeiro entre a Direcção Regional da Cultura e o Observatório do Mar dos Açores (OMA). A execução deste projecto foi assegurada por uma equipa multidisciplinar, integrando as áreas técnicas da antropologia e da gestão do património, fotografia e arquitectura.
O desenvolvimento do IPBIA desenrolou-se em três fases distintas. Numa primeira fase, foi recolhida toda a informação disponível sobre o tema, que incluiu múltiplas fontes documentais e orais, sobre as infraestruturas que terão existido durante o período da baleação (sec. XIX e XX). Concluída essa fase, deu-se então início ao trabalho de campo, que consistiu em localizar, identificar e descrever todas as infraestruturas ligadas à baleação ainda existentes no arquipélago. Inclui-se aqui a recolha de informação histórico-funcional das infraestruturas, o registo fotográfico dos imóveis e respectivos levantamentos arquitectónicos. Em alguns casos realizaram-se levantamentos do espólio móvel e documental, associados às infraestruturas. A terceira fase do trabalho foi dedicada ao tratamento da informação entretanto recolhida. Foram compilados e organizados todos os dados que viriam a integrar as fichas de inventário, as quais foram inseridas numa base de dados construída em MS Office Access (IPBIA) e especificamente criada para o efeito.
Neste projecto, inventariaram-se 186 itens, em todas as nove ilhas dos Açores. As vigias e as rampas de varagem preenchem o maior número de fichas do inventário, com 43 e 33 itens, respectivamente. Na ilha do Pico, regista-se o maior número de estruturas (n=43), com ênfase para as vigias e as casas de botes (n=8), na sua maioria em bom estado de conservação. Serão apresentados e discutidos os resultados referentes às infraestruturas inventariadas nos Açores, o seu estado de conservação, e o sucesso, em alguns casos, da sua reconversão e utilização em novas funções.
O IPBIA é encarado como um passo fundamental para a salvaguarda, estudo e valorização do património baleeiro dos Açores, esperando-se que venha a constituir igualmente um veículo privilegiado de difusão cultural. Assim, dando sequência a este trabalho, a Direcção Regional da Cultura contratualizou com o OMA a realização dos “Roteiros Culturais dos Açores: Património Baleeiro”, actualmente em fase de execução pela mesma equipa. Estes roteiros visam a definição de percursos em todas as ilhas, no decurso dos quais os múltiplos sítios e infraestruturas ligados à actividade baleeira, inventariados no decorrer deste trabalho, poderão ser visitados e fruídos pelo público.


La Unión Obrera (Valparaíso) y la Manufactura de Tabacos (Estrasburgo), dos ejemplos de un pasado industrial patrimonializado en la dinámica de una cooperación conflictual
Maximiliano Soto
Laboratoire Sociétés, Acteurs et Gouvernement en Europe (SAGE, UMR 7363,CNRS) Université de Strasbourg Forum UNESCO

La tendencia actual por el gusto del patrimonio representa una revalorización de las “singularidades culturales” que pueden presentar un grupo humano, una actividad, un bien o un sitio. Es una manera de poner en valor la “autenticidad” de las formas sociales, espaciales y simbólicas que han activado nuevas formas de apropiación y de reafiliación social (Castel, 1991). En este contexto la patrimonialización es un proceso dinámico que activa una relación de fuerzas entre la materialidad y la inmaterialidad de un bien patrimonial, produciendo una suerte de tensiones, negociaciones y compromisos entre los actores sociales implicados.
El interés de hacer una comparación internacional entre Estrasburgo y Valparaíso reside en un ejercicio de análisis que evidenciará puntos comunes y distantes en las dinámicas que se producen al interior de los procesos de patrimonialización y de una realidad conflictual que les acompaña. En nuestro análisis el eje central es socio-antropológico y se desarrolla a partir de una relación entre la forma material de la vida social y sus forma simbólicas, sus representaciones y usos del espacio habitado.
Un conflicto en particular lo constituye la Manufactura de Tabacos en Estrasburgo. Este edificio representa una huella del pasado industrial del barrio, suscitando intereses económicos de usos diversos. Los actores que manifiestan sus preocupaciones sobre el futuro de esta construcción que ocupa 22 000 m2 son la municipalidad, el grupo inmobiliario Scharf, el CARDEK y la Universidad de Estrasburgo, estructurando una serie de tensiones entre dos valores principales; un valor económico y un valor simbólico.
Otro conflicto lo podemos observar en Valparaíso donde la revalorización de un cité de hábitat obrero llamado la Unión Obrera es un ejemplo de cooperación conflictual entre una expertise oficial representada por la municipalidad y el Ministerio de Vivienda y urbanismo, una expertise erudita representada por los arquitectos y la ONG Junta de Andalucía, y una expertise profana representada por los habitantes del edificio y por el Taller de Acción comunitaria (TAC).
Este tipo de patrimonio construido puede situarse temporalmente dentro de un periodo más recientes que una catedral gótica o una casa colonial, pese a que se produce una suerte de copresencia en ciertas ciudades patrimoniales donde lo antiguo cohabita con lo moderno. Es así como ciertas construcciones dan muestra de la industrialización y que es posible de observar en barrios céntricos, testimonios de un pasado industrial que se han transformado en marcas históricas al haber sido declaradas “monumentos históricos”.
El discurso institucional de la revalorización y de la conservación del patrimonio reconocido por la UNESCO y el ICOMOS proviene de una expertise oficial y erudita que ignora las estrategias de apropiación de un patrimonio popular y/o “profano”; finalmente es la mirada de una cultura erudita y de un comité de expertos que activan el proceso de valorización. Pese a que la patrimonialización es favorable para los actores sociales dominantes, los efectos sociales escapan en parte al control de los planificadores. Ella produce también tensiones entre diversos actores del patrimonio, imponiendo negociaciones y reglas. Se pueden identificar dos tipos de reconocimiento entre la expertise erudita y la expertise profana, donde los elementos del arquitecto reconoce y valoriza no son los mismos que los que puede ser reconocidos y revalorizados por los residentes. Este paso o extensión permite la construcción del individuo como actor, miembro de una “comunidad patrimonial”. Esta comunidad reagrupa a aquellos que están de acuerdo con la defensa de un bien patrimonial, pese a tener manifiestas oposiciones, constituyendo un conjunto de “regulaciones conjuntas puntuales” (Reynaud, 1979).
En los conflictos patrimoniales distinguimos dos formas de compromiso: la imposición, puesta a la luz por la transacción social, y el compromiso regulado, producido por la regulación conjunta. Esta distinción aclara la dinámica de cooperaciones conflictuales al interior de las comunidades patrimoniales. Ella explica de hecho la competencia en tres niveles de expertise: oficial, erudita y profana. La interpretación de una cultura patrimonial, con el solo criterio del valor universal es una transacción impuesta que alimenta los desfases en las comprensiones, interpretaciones y apropiaciones del patrimonio.

Bibliografía general selectiva
BLANC, Maurice. 2009. « La transaction sociale : genèse et fécondité heuristique », Pensée Plurielle, n°20, p.25-36.
CASTEL, Robert. 1991. « De l’indigence à l’exclusion, la désaffiliation. Précarité du travail et vulnérabilité relationnelle », in Donzelot, J. (dir.), Face à l’exclusion. Le modèle français, Paris, Esprit, p. 137-168. 
CHASTEL, André. 1986. « La notion de patrimoine », in Nora, P. (dir.), Les lieux de mémoire, vol. II, la Nation, Paris, Gallimard, p. 405-450. 
CHOAY, Françoise. 2009. Le patrimoine en questions. Anthologie pour un combat, Paris, Seuil, coll. « La couleur des idées », 220 p. 
LE GOFF, Jacques. (dir.) 1998. Patrimoine et passions identitaires, Actes des Entretiens du Patrimoine, vol.III, Paris, Fayard, 445 p. 
RAUTENBERG, Michel. 2004. La rupture patrimoniale, Bernin, à la Croisée, 173 p. 
REYNAUD, Jean-Daniel. 1989. Les règles du jeu. L’action collective et la régulation sociale, Paris, Armand Colin, 306p. 
REYNAUD, Jean-Daniel. 1979. « Conflit et régulation sociale. Esquisse d’une théorie de la régulation conjointe », Revue française de sociologie, vol. XX, p. 367-376. 
SOTO, Maximiliano. 2011. « Reconnaissance et transaction sociale dans l’espace urbain patrimonial : processus de valorisation et dévalorisation, Strasbourg et Valparaiso », in Hamman, Ph. et Causer, J.-Y. (dir.), Ville, environnement et transactions démocratiques, Bruxelles, PIE-Peter Lang, coll. « Eco Polis », p. 111-131.


Novos usos para o Património Industrial: o caso da Cordoaria Nacional
Laura Ferrer
Faculdade de Arquitectura da UTL

O património histórico, arquitectónico e urbano só é verdadeiramente assumido como valor cultural e social quando integrado na vida das comunidades contemporâneas. Por isso o conjunto de bens que se inserem na área (tomados individualmente e em conjunto) para além do seu valor histórico, artístico, arquitectónico, urbano, cultural e simbólico que a idade e o tempo lhes conferiram tem de assumir, cada vez mais, um valor social que decorre do seu uso ou reutilização, por um lado, e do seu valor da memória, por outro, no sentido em que este deve permanecer activo ou vivo ao longo dos tempos, na dimensão histórica, independentemente do tipo de crenças ideológicas, políticas ou religiosas que vigorem na época.
O conceito de valorização passa então, necessariamente, pela recuperação de imóveis, espaços e conjuntos, mas também pela sua utilização e reintegração na vida contemporânea da comunidade local, nacional e internacional, numa perspectiva que concilie as necessidades actuais com o perfil e o valor cultural, histórico, arquitectónico e económico que devem ser respeitados e acentuados, tratando também, em específico, no caso da Cordoaria Nacional, do valor industrial, indispensável para que se tenha a percepção mais correcta do caso em estudo.
O edifício da Cordoaria, subestimado quanto às suas potencialidades, oferece um conjunto de possibilidades para a reabilitação da frente ribeirinha e da própria cidade, cuja malha urbana necessita de um novo tipo de ligação ao rio e às infraestruturas localizadas junto a este.
A própria Cordoaria, outrora banhada pelo rio e com uma história ligada a este desde sempre, perdeu esta localização privilegiada e parte do seu edifício para uma modernidade que não conseguiu ainda eliminar as cicatrizes provenientes desta intervenção.
Também a sua subutilização e a inexistência de um plano coordenado ao nível de aproveitamento dos espaços internos e espaço urbano da envolvente resultou num esquecimento da importância deste edifício, não só pela sua arquitectura mas também pela sua história, sendo o único edifício na zona de Belém e Alcântara que, fazendo parte do conjunto de edifícios de interesse dentro da temática da expansão marítima e, ainda por cima, com a classificação de monumento nacional, tem servido, como utilização principal, de espaço para exposições temporárias. Isto traz problemas ao nível da própria continuidade do edifício: uma menor utilização dos espaços traz, consequentemente, uma crescente dificuldade de conservação dos mesmos, muitos deles já em avançado estado de degradação. A própria divisão da Cordoaria por diversos órgãos e a desconexão ou incompatibilidade de espaços ao nível de uma possível reabilitação e posterior conservação vem piorar a situação em que o edificado se encontra actualmente.
Surgiu nos últimos anos uma discussão em torno do novo programa para a Cordoaria, com uma possível mudança do espólio do Museu Nacional de Arqueologia, localizado nos Jerónimos, para as instalações deste edifício, que não considero, pelo estudo desenvolvido na minha dissertação de final de curso, ser o mais apropriado.
Assim, é necessário pensar um espaço que, além de criar uma nova dinâmica com a cidade e com a sua envolvente mais próxima, possa acolher uma nova função que, dentro da história e características do edifício, se adeque aos novos tempos e às necessidades do sítio, tendo como base um estudo comparativo entre vários cordoarias a nível mundial, pretendendo-se com isso ter uma ideia das possibilidades quanto à aplicação de novos programas nas Cordoarias, e como estes funcionam do ponto de vista da reabilitação e do ciclo cultural e social dos antigos edifícios, tendo como casos de estudo a Cordoaria Real de Rochefort (França), a Cordoaria Victoriana (Inglaterra) e a Cordoaria do Arsenal de Veneza (Itália).


A Fábrica de Lanifícios de São Gabriel (Manteigas, Guarda): Construção da memória industrial na Serra da Estrela
Sara Prata e Fabián Cuesta-Gomez
IEM da FCSH - UNL e Universidad de Salamanca / Fundación del Patrimonio Histórico de Castilla y León

O trabalho que apresentamos pretende abordar questões da arqueologia industrial através de uma análise expositiva da Fábrica de Lanifícios de São Gabriel (Manteigas, Guarda). Utilizaremos este complexo fabril como ponto de partida para reflexionar sobre as problemáticas da protecção do património industrial.
Em meados do século XIX Joaquim Pereira de Mattos adquire um terreno nas proximidades de Manteigas onde viria a edificar um amplo complexo fabril que anos mais tarde se transformará numa das mais importantes fábricas de lanifícios da Beira Baixa.
A importância desta fábrica prende-se com os seus aspectos relevantes do ponto de vista industrial mas também com as implicações e consequências que teve a nível social, económico e cultural. São Gabriel conta a história de um exemplo local da indústria de lanifícios, típica da Serra da Estrela, e materializa um momento chave no panorama da industrialização nacional.
A fábrica integra um conjunto de edificações de natureza distinta; por um lado, os edifícios estritamente relacionados com a produção industrial, tanto do ponto de vista tecnológico como administrativo e, por outro, edifícios destinados ao uso quotidiano e social.
Tecnicamente, um dos aspectos mais importantes desta fábrica prende-se com o facto de se tratar de uma fábrica completa, integrando em si todos os elementos necessários para a transformação da matéria-prima no produto final de forma completamente autónoma. A construção de edifícios com traços típicos da arquitectura industrial do ferro de Oitocentos demonstram que cedo existiu uma necessidade de ampliação do complexo fabril. Mesmo na ausência de planificação global do complexo, arquitecturalmente estamos perante soluções construtivas que demonstram uma interdependência entre a morfologia do edifício e a sua utilização, uma vez que os espaços eram propositadamente criados para albergar diferentes funcionalidades e respectivas máquinas. Estas, prendiam-se com diferentes sistemas de obtenção de energia e ainda com o tratamento de lanifícios e produção têxtil. De entre os primeiros destaca-se a importante integração de uma máquina a vapor modelo Farcot, obtida na Feira Internacional de Paris (1901), demonstração do rápido desenvolvimento e crescentes exigências energéticas do complexo fabril.
Apesar da sua dimensão e longevidade a fábrica acaba por encerrar nos anos 80 do século XX tendo reaberto apenas algumas secções até ao final dos anos 90, momento em que sessa definitivamente a sua actividade.
Pouco mais de 10 anos passaram desde a desactivação da Fábrica de Lanifícios de São Gabriel. O estado de conservação actual do complexo é profundamente precário. Embora duas tentativas de classificação patrimonial para a fábrica lhe tenham conferido o estatuto de imóvel em vias de classificação, não sendo possível transformá-lo de nenhuma forma sem devida autorização institucional, a falta de segurança tem facilitado sucessivos roubos e violações, ameaçando o estado de conservação das máquinas no seu interior. Por outro lado, a ausência de manutenção e consequente exposição aos elementos naturais provocou uma acentuada degradação dos edifícios do complexo fabril. Esta situação faz com que seja necessário implicar de forma urgente institutos patrimoniais, autoridades locais e os proprietários em soluções para a conservação deste complexo e preservação da sua memória.
Esta apresentação pretende expor a importância da fábrica, pelo entendimento das suas estruturas e equipamentos na lógica do complexo fabril que integram, no âmbito da indústria têxtil e no universo da industrialização portuguesa. Queremos ainda abordar as problemáticas por detrás da obtenção do estatuto de classificação patrimonial inerente a imóveis desta natureza. Acreditamos que a preservação e difusão do património industrial vai mais além da conservação dos edifícios e das máquinas. Exemplos deste património, como a própria Fábrica de Lanifícios de São Gabriel, devem ser vistos como um bem cultural e a sua salvaguarda como uma oportunidade para fomentar programas de desenvolvimento sustentável a nível local e regional. É necessário sensibilizar a sociedade para este tipo de vestígios patrimoniais que não devem ser analisados isoladamente mas sim entendidos no âmbito da memória da utilização de um espaço e nas suas consequências socioeconómicas para o desenvolvimento da história local. São parte de um momento específico na história mas mostram também uma forma de construir e uma forma de viver em função da produção industrial. Pretendemos aproveitar o I Encontro Anual de Industria, História e Património como espaço de reflexão para estas questões.


Cerâmica e Património Industrial. O caso da Fábrica de Jerónimo Pereira Campos, Filhos
Manuel Ferreira Rodrigues
Universidade de Aveiro

Em 1882, nasce em Aveiro a Fábrica de Louça da Fonte Nova. Além de faiança diversa, fabricou azulejos que marcaram a produção azulejar desta região durante décadas, até à afirmação da Fábrica Aleluia, após a I Guerra Mundial. Em parceria com a Fábrica de Porcelanas da Vista Alegre, liderada por Duarte Ferreira Pinto Basto, o proprietário da Fábrica de Louça da Fonte Nova, Carlos Melo da Silva Guimarães, envolve-se na criação da Escola de Desenho Industrial de Aveiro, fundada por decreto, em 1893. Esta instituição que teve um papel decisivo na formação de mão de obra qualificada em diversas ramos de atividade, com destaque para a indústria cerâmica. Nela estudaram os dois filhos mais novos de Jerónimo Pereira Campos que iriam erguer, em 1896, a mais importante empresa cerâmica da região.
Não obstante a importância da cerâmica doméstica e decorativa na transformação da paisagem urbana e do gosto das camadas citadinas, a industrialização tem início no domínio da cerâmica de construção, com a fundação da empresa de Jerónimo Pereira Campos e seus filhos, quer pelos capitais envolvidos, quer ainda pela mecanização do fabrico e pelo grau de especialização. Diferentemente, a cerâmica doméstica e decorativa persistiu, durante décadas, na utilização de maquinismos semi-artesanais, como os seus produtos ainda existentes bem atestam.
As opções cívicas e políticas de João Pereira Campos, o mais novo dos quatro filhos de Jerónimo Pereira Campos – maçon e republicano, numa família católica  e monárquica – seriam a parte visível de um grave dissídio patrimonial desencadeado pela escritura de sociedade celebrada pouco tempo antes da morte do pai, em 1908. Os acontecimentos dos primeiros anos após a instauração da I República, que levaram à prisão de Domingos e Ricardo Pereira Campos, precipitaram o afastamento de João Pereira Campos da sociedade.
Ao fundar uma outra empresa cerâmica – a Cerâmica Aveirense –, João Pereira Campos ameaçou a sobrevivência da empresa que fundara com o pai e o irmão Henrique. A nova sociedade entre os três outros irmãos, liderada por Domingos Pereira Campos, responde ao desafio do mais novo, fazendo erguer as monumentais instalações fabris, durante a I República, e transformando a velha sociedade em nome coletivo numa sociedade anónima de responsabilidade limitada, em 1923, num processo que reúne à sua volta a elite económica da cidade e da região, obtendo capitais de que João Pereira Campos não dispunha, não obstante os seus reconhecidos conhecimentos técnicos. A sociedade anónima, com um capital social de 2700 contos, adota a designação de Fábricas Jerónimo Pereira Campos, Filhos, SA, mostrando um inequívoco desejo de constituir um grupo no domínio da cerâmica de construção, como de facto aconteceu, nos anos seguintes. A empresa vai adquirir, na região de Viana do Castelo, duas fábricas: uma fábrica de cerâmica de construção, em Alvarães e, na parte norte do rio, a velha Fábrica de Louça de Viana, Lda. Posteriormente, viria a adquirir a Cerâmica do Sabugo, Lda., sita em Almargem do Bispo, no concelho de Sintra.
Além da telha marselhesa vermelha, branca, preta e vidrada, do tijolo cheio, vazado e refractário, a fábrica produzia uma grande variedade de produtos de construção: vasos ornados e lisos, balaústres, cariátides, grifos, coroamentos para janelas e portas, peitoris para terraços, jardins e janelas, consolas, das carrancas, bustos, estatuetas, cumes lisos e de concha, términos e cruzetas, clarabóias, passadeiras, rendilhados, etc.
Mas se dos seus produtos pouco resta, o «colossal edifício» da fábrica, da autoria do arquiteto portuense José Maria Olímpio teve outra sorte. Durante décadas, o maior imóvel da cidade e da região – tinha inicialmente uma área total superior a 5000 m2 e 4 pavimentos – viu crescer à sua volta um complexo industrial que testemunha as diversas fases da evolução da empresa e do ramo de atividade.
A partir dos anos 1960-1970, um vasto conjunto de dificuldades, a que não foi alheio o fim do mundo condicionado do Estado Novo, a empresa viria a mudar a sua sede para a sucursal de Alvarães, e o velho edifício erguido durante a I Guerra Mundial, depois de ter sido ameaçado de demolição, foi reabilitado e refuncionalizado, mercê dos esforços nem sempre conjugados de muitos. As condições em que esse processo se verificou bem como as transformações recentes do espaço permitem-nos refletir sobre os as problemáticas da conservação e valorização do património industrial.


Património Hospitalar. A matéria, a cultura e o problema da memória
Ana Rute Elias Lopes
CEIS20 da UC

Esta comunicação propor-se-á contextualizar o universo da assistência hospitalar, atentando na diversidade do seu património, na complexidade cultural que envolve a apropriação desse património no seio de uma estrutura organizativa particular e, finalmente, na problemática do seu reconhecimento e da sua salvaguarda enquanto herança histórica.
Olhando o Hospital sob o ponto de vista da tangibilidade, tentará mostrar as preocupações políticas, sociais e científicas associadas aos seus edifícios, explorando a ergonomia da arquitetura face às especificidades da função assistencial. Procurará apresentar, também, o carácter performativo e segregativo dos objetos, denunciando o seu compromisso com o uso, em estreita correspondência com uma determinada especialidade, técnica ou gesto. Visará, ainda, dilucidar a importância do registo documental enquanto testemunho da atividade clínica, bem como da produção intelectual associada ao ensino e à investigação na área da saúde.
Por outro lado, perspetivar-se-á o Hospital enquanto espaço de construção identitária, assente num quadro de referências simbólicas a partir do qual interagem os diversos grupos socioprofissionais. Procurar-se-á retratar uma ordem negocial fortemente alimentada pela ativação dos estatutos e pelas relações de poder estabelecidas entre os diversos atores, que se estendem à hierarquização das tarefas e à criação de fronteiras entre os diferentes setores de trabalho. Regiões desenhadas hermeticamente, sustentadas pelo poder mitológico, pela sedimentação dos ritos e dos interditos institucionais, bem como pela utilização codificada da linguagem.
Finalmente, entendendo o Hospital como produto e produtor de cultura, tentar-se-á identificar as desvantagens da instrumentalização do capital histórico, em detrimento de um esforço efetivo de problematização e integração sustentada da memória. Fazendo uma leitura dos diferentes ciclos de vida associados ao património hospitalar, somados às recorrentes limitações infraestruturais, pretenderá mostrar a dimensão de descarte e o efémero verificado na atividade assistencial. Na ausência de políticas de registo sistemático ou de conservação preventiva, procurar-se-á destacar a importância das ações de salvaguarda informal, bem como a urgência da implementação de processos de reconstituição histórica, acompanhados de agendas de fruição e programação cultural. Desta forma, procurar-se-á evidenciar que todas as respostas e estratégias, na condição de manifestações subjetivas de seriação, representam, de resto, matéria patrimonial objeto de estudo.
A apresentação incluirá a revisitação visual do património dos Hospitais da Universidade de Coimbra, com referência ao trabalho realizado nesta instituição, procurando alertar para a pertinência de uma intervenção concertada junto das administrações hospitalares, nomeadamente nos casos em que é necessário fazer face às transformações decorrentes dos processos de fusão.


O Laboratório Sânitas: Ciência, Indústria e Património

Madalena Esperança Pina
FCM | UNL, CEHFCi

O Laboratório Sânitas nasceu em Lisboa, em 1911, por iniciativa dos seus dois fundadores, Francisco Cortês Pinto, médico militar e Horácio Pimentel, farmacêutico. O seu desenvolvimento atravessou a I República e o Estado Novo, sobreviveu ao contexto do 25 de abril de 1974 e produziu frutos importantes até à década de 80.
A história desta instituição industrial, cujo desenvolvimento originou sucursais no Porto, em Luanda, em Lourenço Marques e em vários pontos no Brasil, revela um leque variado de interesses científicos e patrimoniais, que devem ser integrados na agenda de História da Ciência  em actual desenvolvimento.
O primeiro diz respeito à história da Farmácia em Portugal, foi de facto uma indústria farmacêutica produtiva e relevante. O segundo diz respeito à história da Medicina, em particular pela investigação científica que foi estimulada pelo Laboratório, que interessa analisar com atenção. Por último, o terceiro tem a ver com a importância que teve o edifício construído para albergar o Laboratório Sânitas, cuja memória descritiva data de 1945, com autoria arquitectónica de Raúl Rodrigues Lima.
O projecto, localizado na Rua D. João V, artéria emblemática do urbanismo do Estado Novo, deve ser olhado à luz do património urbano, industrial e científico de Lisboa e é nesse ponto que converge um conjunto de ideias que pode contribuir para o eixo industria-património-ciência em análise.


Bibliografia dos Lanifícios
António dos Santos Pereira
Museu de Lanifícios

Entendemos que qualquer bibliografia dos lanifícios deve antes de mais perceber estes no seu tempo nos enquadramentos legais planetários, europeus e portugueses. Antes de fornecer uma perspetiva diacrónica dos panos de lã em Portugal importam algumas considerações sobre os mesmos, em termo planetários, as grandes reservas de matéria-prima e os grandes centros transformadores. Depois, em perspetiva diacrónica, devem inserir-se todas as questões tecnológicas, as socioprofissionais e também as culturais, dada a importância que o sector teve no decurso Industrialização e durante algumas décadas assumiu em Portugal como ramo exportador. Obviamente, a nossa opção de segmentação dos lanifícios no agregado têxtil coloca-nos sérias dificuldades na análise da imensa informação. Os lanifícios hoje regulam-se por normas da Organização Mundial de Comércio, da União Europeia e no caso que nos interessa também do Estado Português. Importa, pois, que qualquer investigador conheça os textos jurídicos ou corpus dos acordos que constituem o quadro jurídico da Organização e faça uma primeira aproximação à documentação produzida pela mesma. No respetivo sítio, é possível aceder aos documentos oficiais dos conselhos e comités da OMC bem como a outras fontes de informação: estatísticas comerciais, trabalhos de investigação económica, ficheiros vídeo, áudio e fotos.
Feita a procura do principal enquadramento atual do trabalho na indústria transformadora deve-se percorrer algumas das considerações teóricas sobre o mesmo, particularmente, desde a Revolução Industrial. Os inquéritos industriais proporcionaram aos seus organizadores os mais amplos espelhos das atividades transformadoras em Portugal e dos lanifícios em Portugal. Para além da retoma dos números, têm sido consideradas as reflexões dos seus autores, personalidades relevantes da política e da cultura portuguesa: Fradesso da Silveira, Luís Augusto Palmeirim, Augusto Malheiro Dias. As greves, recorrentes no mundo operário, foram descritas e estudadas com fazendo parte da estrutura industrial e pelo volume de mão-de-obra das fábricas de lanifícios pelos mais sensíveis à questão social. A propósito, devem ser retomados os trabalhos empenhados da fase de juventude de Rui Ulrich (1883-1966) e de Fernando Emídio da Silva (1886-1972). José Amado Mendes já fez a sua releitura a propósito, e outras são bem possíveis de acordo à perspetiva de cada um. A imprensa periódica constitui recurso precioso como já demonstrou José Tengarrinha. O século XIX terminou com uma visão geral pela pena de J. M. Esteves Pereira (1872-1944), da Indústria Portuguesa (séculos XII a XX) com uma introdução sobre corporações operárias em Portugal: elementos de logographia industrial. Posteriormente, uma relevante perspetiva estrutural foi-nos dada pela inteligência de Vitorino Magalhães Godinho e pela militância de Armando de Castro (1918-1999). Joel Serrão e Gabriela Martins em preocupações didáticas apontaram os principais textos da industrialização Oitocentista. Outros balanços, sobre as atividades transformadoras em geral em conceptualizações aprofundadas, foram-nos dados por Miriam Halpern Pereira, David Justino, Manuel Villaverde Cabral, Jaime Reis e Jorge Pedreira.
Neste primeiro roteiro, consideraremos as bibliografias gerais de referência, as fontes e bibliografia diretas ou seja as que em título indicam, de imediato, o respetivo conteúdo e estão acessíveis em particular na Porbase e os resultados de alguma nossa investigação mais antiga. Todo o ciclo produtivo dos panos fica aqui coberto e a partir de tal levantamento é possível perceber uma atividade que cobre todo o país e nomear a maioria das instituições nela envolvidas, dela emanando um conjunto de organizações com um historial muito importante. Em simultâneo, ficamos a conhecer os principais diplomas normativos da atividade, mormente, os levados a cabo durante a monarquia ou mais modernamente pelos ministérios da Economia, Indústria, mas também da Assistência e Segurança no Trabalho e sempre das Finanças. O evoluir tecnológico impõe ainda uma particular atenção às exposições que desde o século XVIII decorreram nos principais centros urbanos. Não esqueceremos a resenha das personalidades mais importantes que se ocuparam diretamente da temática dos Lanifícios a partir dos finais do século XIX, alguns deles com raízes covilhanenses como: os Campos Melo, Carvalho Dias, a família Melo e Castro e Elisa Pinheiro, a coordenadora da Rota da Lã. O tema tem sido opção muito recorrente em dissertações de mestrado e doutoramento particularmente nas universidades da Beira Interior, Minho e Évora, a partir da última década do século XX, mais notoriamente depois de 1995.


Actividades industriais oitocentistas no Distrito de Viana do Castelo
Henrique Rodrigues
CETRAD-UTAD

O Alto Minho, nos finais da década de cinquenta do século XIX, não era um distrito fabril, já que os estabelecimentos existentes, fábricas, oficinas, fornos e outros centros produtivos eram reduzidos e de pouca expressão no número de operários, embora encontremos oficinas integradas no parque industrial, onde as actividades familiares se incumbiam de uma boa parte da rede ocupacional, como é o exemplo da produção de panos de linho, de fabrico exclusivamente doméstico, mas com efeito nos rendimentos complementares do mundo rural, além dos tecidos que a lã também permitia executar.
Até à década de sessenta, eram desconhecidas nesta área as vantagens da máquina a vapor, embora houvesse manufacturas de louça, curtumes, alambiques, engenhos de linho e de serrar madeira, tudo identificado como os principais estabelecimentos industriais do Alto-Minho, nos «relatórios sobre o estado da Administração Publica do Governo Civil do Districto Administrativo de Vianna do Castello, 1856». As próprias autoridades regionais etiquetavam Viana como uma área cuja « verdadeira e única industria do distrito é a agrícola», onde se produz o suficiente para o consumo e ainda consegue abastecer outras terras,  exportando, pelas barras de Viana e de Caminha, «muitos milhares de alqueires» de cereais, para várias regiões de Portugal e mesmo para o estrangeiro. Desta forma, o distrito de Viana do Castelo do século XIX era identificado como agrícola e vinhateiro.
Perante alguma tibieza, alguns concelhos que revelavam a existência de actividades industriais no último quartel da centúria. Partindo de um quadro em que a comarca de Viana, nos inícios do século XIX, apresenta uma estrutura industrial circunscrita pela produção de cerâmica e de curtumes, com um total de doze estabelecimentos, além de fornos de cal e um de lanifícios, com a exportação de chapéus nos princípios de oitocentos. Colocamos as seguintes questões:
Que actividades artesanais constituem o tecido industrial oitocentista deste distrito? Que opinião oficial existe sobre as “indústrias” nesta região? Que nos dizem as fontes primárias sobre este quadro? Onde se implantavam as indústrias cerâmicas, os curtumes, o fogo de artifício e outras oficinas? Que dinâmica é observável através dos inquéritos industriais de 1881 e 1890?
Para responder a estas questões usaremos um conjunto de fontes primárias como requerimentos para implantação de oficinas, vários relatórios do Governador Civil, existentes no Arquivo do Governo Civil de Viana do Castelo, além de outras fontes impressas como a “Estatística” de Eusébio Furtado Coelho e os referidos Inquéritos Industriais.


Patrimónios Emergentes. Porquê o adiamento de certos Projectos? Os casos dos museus, Nacional Ferroviário e Curtume de Alcanena
António Pinto Pires
Associação para a Defesa e Promoção do Património Cultural Imaterial

A implementação do Museu Nacional Ferroviário, MNF, foi um processo moroso que atravessou décadas até que fosse consagrado em Lei em 1985. Após essa data foi outra travessia até que em 1997, e depois de um forte empenhamento das associações de defesa do património ferroviário e município do Entroncamento, o poder político, nomeadamente a tutela, Secretaria de Estado dos Transportes, decide permitir o retomar deste processo tão diversas vezes adiado.
Não foi um percurso linear, mesmo assim, e deforma faseada o museu arrancou finalmente, primeiro numa fase de instalação, processo de novo interrompido, para passar finalmente à instalação, fase que decorre.
Porém, e como não há bela sem senão, e não obstante muitos esforços envidados nesse sentido, e tratando-se de um museu com uma proeminência de veículos, que supostamente deveriam muitas das suas unidades estar em condições de funcionamento, não há nem se vislumbra haver, um calendário de animação que torne este museu, não um mero repositório de peças, mas num museu vivo, virado para a animação, realização de comboios temáticos e turísticos, como seria desejável.
O MNF estabeleceu parcerias e contatos com museus congéneres onde estes princípios de animação e vivificação motora são exemplos soberanos que poderiam indicar soluções gradativas e diversificadas que se traduziriam numa outra imagem para o museu e consequentemente para a animação das localidades onde o museu se encontra implementado, Entroncamento, Lousado, Arco do Baúlhe, Sernada / Macinhata do Vouga e outras a definir.
Inúmeros veículos, motores e rebocados por via de não serem utilizados, têm vindo a adquirir sinais evidentes de degradação acentuada que indubitavelmente terão repercussões bastante sérias nos custos de recuperação se um dia vierem a funcionar.
Cabe perguntar: porque não andam os comboios no MNF?


Dinâmica(s) de Programação e Gestão do Património Industrial Musealizado em Alcobaça: Exemplos Indutores de Referência e de Renovação
Alberto Guerreiro
CEHFCi – U. Évora

Embora indissociável da majestosa e erudita escala da Abadia, o território alcobacense expressa testemunhos evocativos da gradual substituição na vida quotidiana da austeridade e rigor monacal por uma outra dimensão, mais mundana mas sem que por isso menos eloquente, protagonizada pelo brilho e expressividade da riqueza do património industrial fabris e comerciais. Uma realidade urbana de Alcobaça progressivamente apagada à “sombra” da imponência marcada pela escala da Abadia cuja absorvência centralizada no Mosteiro (Património da Humanidade - UNESCO) das políticas e investimentos institucionais no património não têm tido, simultaneamente, alcance na salvaguarda das marcas patrimoniais inscritas na sua envolvente. Esta herança, dos testemunhos e dos recursos patrimoniais emblemáticos da identidade alcobacense, fortemente configurada pela obra-mestra cisterciense mas potenciada pelo modernismo tecnológico, apela hoje a uma prática dinâmica de programação e gestão do património industrial musealizado alcobacense assente no desenvolvimento sustentado do qual despontam hoje exemplos indutores de referência e de renovação: musealização do território (Museu dos Coutos de Alcobaça, reportando às marcas da relação multisecular e transconcelhia entre esta região e o Mosteiro de Alcobaça, bem como aspectos significativos da actividade anterior ou posterior à presença cisterciense), musealização temática (Museu do Vinho de Alcobaça, suportado entre a colecção tecnológica e industrial da vitivinicultura nacional da transição para a modernidade e a evocação da tradição dos vinhedos e dos vinhos da Ordem de Cister) e a musealização de sítio (Central Eléctrica da Confluência dos Rios Alcoa e Baça, refuncionalizando a herança tecnológica da antiga Fábrica da Alimentícia).
A preservação do património alcobacense passa hoje em boa medida por acções conciliadoras da memória (material e imaterial) com as forças vivas locais, através da integração de valores identitários, históricos e culturais do território em soluções de ordenamento e gestão integrada, promovendo a noção fundamental de “autenticidade patrimonial”. Neste campo, a participação cívica, bem como a organização de meios e mecanismos multidisciplinares e multifuncionais, podem ser capitais à garantia de processos mais integradores e sustentáveis do ponto de vista das acções, nem sempre aliáveis, de regeneração e conservação do património. É tido como ponto de partida, a assunção do património industrial musealizado como elo representativo de uma estratégia de desenvolvimento integrado (e integral) tendo como objectivos elementares: a melhora da “qualidade de vida” e o “fomento do conhecimento”. A primeira ideal que advém deste posicionamento estratégico é o do entendimento da cultura material que o sustenta como uma dimensão intimamente associada ao futuro dos indivíduos e da comunidade. Desta forma, o património industrial protagoniza um papel central nas politicas de desenvolvimento das zonas “deprimidas” e nos programas de revitalização urbana e rural. Fundamental para este processo, são factores como o “efeito de atracção” e de “consciência de “melhoria” que o património industrial transmite ao território onde se insere, fazendo desse mesmo espaço de inserção, mais sugestionável e sedutor, eclodindo como um exemplo indutor de referência e de renovação. Esta premissa obriga a pensar o património industrial em toda a sua abrangência, sobretudo, no que toca à sua potencialidade como motor de desenvolvimento. Não somente como um instrumento de activação social, cultural, educativa, lúdica mas igualmente como um elemento de intervenção política e económica, com plenos poderes de, directa ou indirectamente, servir e influenciar o devir dos diversos sectores da sociedade. Um processo de desenvolvimento constituído como movimento de transformação social e económica, envolvendo um conjunto de discursos e práticas de mudança e não meramente representativos da memória ou imobilizados no desígnio da identidade local. O investimento no património industrial desta natureza obriga na sua essência ao assumir de uma política sustentada, i.e., de articulação de políticas centrais ou locais com as políticas sectoriais. Esta possibilidade implica, finalmente, posições simétricas de âmbito regional e local de valorização cultural do património (t.c. centros históricos, bairros culturais, património artístico, arqueológico, etnológico, religioso, tecnológico, industrial, museus, ecomuseus, sítios musealizados, ruínas legíveis, paisagens interpretadas, etc.), fortalecendo quer a sua relação com o meio, quer associando uma oferta turistico-cultural (produto cultural) diversificada e assente em rede.


A PORTUGUESA: De Moagem a Museu - Conservar vestígios de uma herança industrial
Cláudia Sofia Petulante Duarte 
Museu Nacional de Etnologia

Junto a uma das margens do rio Nabão quis o espirito económico progressista do pós- República e a diligência do afamado empresário Mendes Godinho, que viesse a ser construída uma moagem austro-húngara, como resposta à recente preferência dos consumidores pelo pão de trigo de farinha alva – A Portuguesa.
Circunscrita à área que se define por Levada de Tomar e paredes meias com moinhos e lagares de tecnologias anteriores, operadas com recurso à energia hidráulica, veio a edificar-se entre 1909 e 1912 A Portuguesa, em detrimento do antigo Lagar de El Rei, moagem esta que viria a destacar-se paisagisticamente no conjunto pelos seus cinco pisos. Se para a época A Portuguesa se revelava singular face ao arquétipo de engenharia industrial como à implícita revolução alimentar que representava, actualmente não deixa de surpreender pela manutenção do seu estado tecnológico integral sobrevivente aos 87 anos de gerência da firma Mendes Godinho e à alienação que lhe sucede após a cessação da actividade em 1999.
No interior da moagem permanecem as impressionantes máquinas que revolucionariam a produção da farinha – os moinhos de cilindros, os planshisters e os sassores desenhados pela casa Daverio, Henrici & Cie, S.A., uma prestigiada empresa com sede em Zurique. As máquinas que detém são também elas por si só representativas dos avanços na metalurgia e fundição de então, fragmentos da memória das grandes exposições universais nas quais se procurava mercado e notoriedade.
Face ao inegável património industrial que constitui, indissociável do restante conjunto da Levada, A Portuguesa encontra-se presentemente em processo de reconversão pretendendo a autarquia de Tomar a sua musealização no âmbito do Programa Polis de Tomar, Projeto Cidade viva – Ciência viva.
A reabilitação conjunta das quinze estruturas da Levada tem vindo a desafiar vários domínios do saber, com vista à articulação da preservação da integridade deste património e as novas funções sociais perspectivadas, bem como a convivência com o rio Nabão. A essas necessidades acresce a procura de articulação com detentores do saber-fazer técnico, nomeadamente no que concerne à moagem A Portuguesa face à especificidade do património tecnológico em causa.
Apesar de o interesse pelos vestígios da cultura industrial não ser de agora, muito pouco se veicula a propósito de critérios de intervenção exceptuando as conhecidas Cartas de Nizhny Tagil e Riga, de sentido mais lato. Mediante esta evidência e atendendo às características intrínsecas da moagem, bem como à avaliação do estado de conservação dos equipamentos, procurou-se subsidiar um programa de conservação coadunado com a nova valência projectada, trabalho este de âmbito académico que carece de desenvolvimento e aplicação prática. Acreditando-se que a melhor concretização desta reconversão resultará da estrita identificação do património móvel, imóvel e imaterial, prosseguem as investigações e equacionam-se critérios de conservação, e comunicação de conteúdos. 


Casa dos Botes do Porto do Comprido: a musealização de um posto baleeiro desaparecido
Francisco Maia Henriques[1]
OMA e IHC-FCSH/UNL

Há mais de uma década que o Governo Regional dos Açores decretou a necessidade de preservar e utilizar do património baleeiro regional. Segundo a nota preambular do Decreto Legislativo Regional nº 33, de 4 de Agosto de 1998, “A actividade da caça à baleia marcou de forma indelével o carácter e o modo de estar de muitos açorianos, introduzindo novas técnicas e novos termos e abrindo os horizontes das ilhas para o continente norte-americano, factor determinante no nascimento da diáspora açoriana nos EUA e Canadá”. Extinta em 1984, a baleação deixou um legado imediato composto por estruturas imóveis: Fábricas da Baleia e respectivos equipamentos industriais, vigias, casas e armazéns dos botes, casas de caldeiros; e um conjunto significativo de embarcações artesanais, objectos artísticos de osso de cachalote e acervos documentais de companhias baleeiras. Sobrevive ainda o conjunto de memórias e saberes dos últimos baleeiros vivos.
Tão disperso quanto as nove ilhas do Arquipélago, o património baleeiro tem sido classificado e mantido a um rtimo desigual, com a participação de diferentes actores: Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia, Clubes Navais, associações sem fins lucrativos, empresas marítimo-turísticas e outras iniciativas privadas. Na ilha do Faial, o Núcleo de Museologia do Observatório do Mar dos Açores (OMA) assumiu a responsabilidade de dinamizar o espaço da Fábrica da Baleia de Porto Pim e estabeleceu em 2008 uma parceria com a armação baleeira Reis&Martins Lda., com o objectivo de salvaguardar o seu património material. Entre Maio de 2011 e Julho de 2012 estabeleceu-se uma parceria entre a Secretaria Regional do Ambiente e do Mar, Junta de Freguesia do Capelo, Parque Natural da Ilha e o OMA para a produção do projecto museográfico da Casa dos Botes do Porto do Comprido.
Situado na extremidade ocidental da ilha, o porto do Comprido foi um posto baleeiro especializado, espaço de confluência das armações do Grupo Central durante os meses de Verão. Compunha-se de um núcleo habitacional, entre 15 a 20 imóveis, junto a uma porto natural, num espaço isolado onde se reunia uma comunidade baleeira sazonal. Em Setembro de 1957, a erupção do vulcão dos Capelinhos desalojou o porto do Comprido e deixou, nos meses seguintes, todos os edifícios soterrados pelas cinzas vulcânicas. Simultaneamente, projectaram-se outras mudanças profundas na vida económica e social faialense: a depaupuração da costa Oeste da ilha, e uma gigane corrente emigratória para os EUA.
Reconstruída a partir das reuinas oiriginais, a Casa dos Botes insere-se hohe num espaço virtual e simbólico. Delinear um projecto museográfico para este espaço suscitou um conjunto de perguntas iniciais: quando suriu o posto baleeiro? Como se organizava a vida comunitária dos “trabalhadores do mar”? Porque foi o porto do Comprido eleito como posto destacado da “caça à baleia”? Como podemos reinvocar um posto baleeiro desaparecido?
Procedemos às seguintes metodologias: levantamento histórico, assumindo a pequena escala (porto baleeiro) num longo período de funcionamento (1884-1957), com a consulta de referências bibliográficas, acervos documentais regionais, publicações periódicas e arquivos regionais e nacionais; realização de um projecto de memória oral, com a colaboração da Junta de Freguesia loca, posto em prática na Freguesia do Capelo; resgate e selecção de parte do espólio da armação baleeira faialense, tendo em vista a sua relocalização na Casa dos Botes.
A execução do projecto prosseguiu assim três objectivos: a encenação do espaço funcional da Casa dos Botes, conjugando os factores humano e tecnológico com a exibição de um painel de baleeiros, objectos do quotidiano da comunidade e uma embarcação com a respectiva palamenta; a construção de um percurso informativo sobre uma estrutura circular que cerca o espaço interior da Casa; e a criação de um meio de interacção com os visitantes, incitando à participação da comunidade no processo inacabado de resgate de memórias.
Com esta comunicação, procuraremos discutir os resultados do projecto e apresentá-lo como um case study do património industrial baleeiro regional.

[1] Em co-autoria com Filipe M. Porteiro, Márcia Dutra, Pedro M. Porteiro e Paulo Neves.


Representações do trabalho: um estudo de caso na museologia industrial portuguesa
Janaina Bueno de Araújo do Nascimento
FCSH-UNL

A largueza semântica da palavra trabalho, requalificada algumas vezes por ocupação, labuta, obra, tarefa e atividade, entre outras, foi distinguida numa dupla dimensão por Friedrich Engels em nota para a edição inglesa de “O Capital”, de Karl Marx. É sabido que essa distinção é fundamental para se compreender a definição de Marx e Engels sobre trabalho. Por um lado, o trabalho que gera valores de uso (work) e, por outro, o trabalho que cria valores (labor).
O trabalho é para Marx - dentre outras características que se assume ao longo de suas obras - uma atividade, uma tarefa, condição de existência do homem, e que o distingue de outros seres vivos, de outros seres naturais. Essa distinção foi perseguida por Marx e Engels durante o século XIX, e o autor do marxismo que levou mais adiante tal reflexão sobre o caráter fundante do trabalho nas relações sociais, portanto, nas relações humanas, foi György Lukács, sobretudo em “Ontologia do Ser Social”, já num marxismo do século XX.
A evolução gradativa do trabalho é o que Marx observa na História, naquilo que corresponde à evolução do homem e a necessidade de suprir suas necessidades frente ao meio. O homem passa a utilizar instrumentos, acrescenta meios artificiais de acção aos meios naturais de seu organismo multiplicando-se enormemente a capacidade do trabalho humano de transformá-lo a si próprio. Os trabalhadores passam, então, a representar o ritmo da transformação tecnológica, e os conceitos de trabalho alargam-se em velocidade semelhante.
Neste breve recorte da conceptualização do trabalho no marxismo, pode-se perceber que o trabalho é elemento dominante ao acompanhar, ao longo da História, a evolução do homem em seus mais diversos aspectos, sejam estes motores, cognitivos, emotivos, imaginativos e outros que se possam relacionar. Das grandes exposições universais, dos primitivos museus comerciais, industriais e agrícolas aos museus aplicados ao trabalho, o homem segue demonstrando a sua necessidade em historicizar o trabalho.
Antigas fábricas são transformadas em lugares de memória, e o trabalho, de conceito amparado em fundamentos filosóficos, sociológicos, económicos e técnicos, torna-se tema central da Museologia Industrial. O operário, símbolo do dinamismo fabril, passa também a ser representado, e integra o discurso e o método museal em diversas faces.
Considerados mapas de como um país foi industrializado, estes museus, depositários de identidades, máquinas, conceitos e memórias, tem muito a revelar.
Esta comunicação pretende analisar as formas como o trabalho é representado no Museu do Trabalho Michel Giacometti, localizado em Setúbal, Portugal onde serão examinados: i) as abordagens que a instituição dá ao trabalho no âmbito do contexto expositivo, tendo como suporte teórico a sua conceptualização pelo marxismo, este de forma mais genérica, ii) a musealização do trabalho e trabalhadores enquanto objectos e sujeitos museais, e também, iii) o papel deste museu no contexto da cidade e no contexto nacional.
Ao se estudar a representação do trabalho e dos trabalhadores em diversos planos, e enquanto objectos e sujeitos museais a partir de um viés conceptual, serão valorados os níveis da exploração temática e as possíveis abordagens (iconográfica, audiovisual, textual, abstrata, formas subentendidas, etc.) que se tenciona num museu com a denominação ‘trabalho’; além de atentar para o seu papel político-social e para as consequências sociais que o agrega, ao sujeitar-se à preservação da história e do património do trabalho.
A presente comunicação é resultado parcial de uma investigação em curso, mais elaborada, para tese de mestrado ao curso de Museologia da FCSH - Universidade Nova de Lisboa (2011-2013), que dentre os pontos abordados nesta comunicação tem como objectivos: identificar o lugar que o trabalho, enquanto expressão da existência humana, teve no contexto das exposições industriais de carácter universal ou nacional desde a industrialização; identificar as formas como o trabalho foi e poderá ser representado, desde os primitivos museus técnicos, comerciais, industriais e agrícolas até a atualidade, tendo como referência os casos do Museum of Work (Suécia) e o Museu do Trabalho Michel Giacometti (Portugal); e, apresentar uma proposta de estudo das formas de representação do trabalho tendo em conta as sucessivas etapas da industrialização, de modo a servir ao futuro dos museus industriais.


O reaparecimento da indústria vidreira em Murano no Sec. XIX. Fabricantes venezianos na colecção do Palácio Nacional da Ajuda
Maria João Burnay
Palácio Nacional da Ajuda

Na ilha de Murano floresceu a produção de vidro que se tornou um dos tesouros mais cobiçados da Renascença Italiana.
No final do século treze Veneza tornou-se no mais importante e povoado centro vidreiro da Europa.  Os mestres deixaram a cidade e vieram a estabelecer-se em Murano em larga escala. A descoberta da fórmula do Cristallo por Angelo Barovier em 1450 causou um grande impacto na arte vidreira.
O gosto refinado do renascimento exigia um alto nível artístico e perfeição técnica. Os mestres de Murano satisfizeram a clientela de elite. Nos séculos XVI e XVII vidreiros  produziram uma assombrosa variedade de peças de vidro, cheias de criatividade, fantasia e virtuosismo, objectos de luxo que adornaram ao palácios da nobreza e da realeza europeias.
O derrube do regime republicano em 1797, foi seguido por um período de estagnação em que as fábricas de Murano permaneceram inativas durante cerca de meio século, contudo, algumas continuaram activas até à ocupação Austríaca, período em que se deu uma verdadeira regressão. Em 1820 havia 16 vidrarias, e apenas 5 produziam peças em vidro soprado.
A revitalização das manufacturas recomeça em 1854 quando os seis irmãos da familia Toso abriram a firma Fratelli Toso onde produziam peças de uso doméstico e vidraças e relançaram técnicas esquecidas.
Em 1859 o advogado Antonio Salviati vem de Vicenza para Veneza onde abriu uma fábrica para produção de vidro de Murano tradicional que designou: Salviati Dott. Antonio fu Bartolomeo. Horrorizado com a devastação dos antigos mosaicos decorativos de Veneza, nomeadamente os da basílica de São Marcos, causado por décadas de negligência, encorajado por António Colleoni, o presidente da câmara de Murano e por um padre local, Vicenzo Zanetti, deixou a sua profissão de advogado e deu início uma carreira na área do vidro.
Como director artístico e como seu colaborador tinha o técnico de vidro Lorenzo Radi, que tinha feito pesquisas para a descoberta de novas cores durante cerca de vinte anos. Imbuido do espírito Histoiricista do século XIX, Radi tentava reencontrar as antigas técnicas do fabrico do vidro. Em 1856, após anos de pesquisa e de experiencias, foi bem sucedido na redescoberta do processo relativamente simples do antigo vidro Veneziano calcedónio soprado.
Cerca de 1860, tendo consciência de que a velha tradição vidreira na cidade de Veneza poderia desaparecer, o presidente da câmara Colleoni, o Abade Zanetti e Salviati dão início pesquisas nos velhos arquivos a fim de recuperarem antigas técnicas, e reconstituirem a História do Vidro em Murano. Também reencontraram peças antigas e em 1861 inauguraram um museu do vidro em Murano.
Com o intuito inicial de formarem jovens mestres vidreiros, um ano mais tarde, com o apoio de Salviati, estabeleceu-se uma escola perto do local do museu. Ali, tendo como modelos os antigos exemplares, os jovens aprendizes recuperavam e fariam ressurgir as cores e as formas dos antigos vidros de Murano. Seguiu-se um período de experimentação intensiva que resultou no reaparecimento de todas as técnicas usadas no velho vidro de Murano, bem como os da época clássica. Esta conjuntura gerou a uma revitalização económica e artística da cidade de Veneza. As belas peças de Veneza chegaram além-fronteiras.
O núcleo de vidros de Murano do Palácio Nacional da Ajuda foi constituído, na sua maioria durante o reinado de D. Luís e de D. Maria Pia de Sabóia entre 1862 e 1910. O núcleo de Vidros de Murano é constituido por 590 peças de carácter decorativo e utilitário. Onde se contempla um serviço denominado “padrão rainha Margarida” que tem 437 peças.
Algumas objectos foram adquiridas e oferecidas à soberana por ocasião das suas 13 viagens à Europa em que D. Maria Pia regressou sempre ao seu país de origem, a Itália e visitou a cidade de Veneza nos anos de 1888, 1900 e 1901 onde entrou em  contacto com as casas vidreiras de Murano.
A grande maioria das peças do Palácio Nacional da Ajuda provém da Casa Salviati / Compagnia Venezia Murano, mas também de outros importantes estabelecimentos como a casa Fratelli Toso, Testolini, e igualmente de fabricantes desconhecidos. Mas não há dúvida nenhuma de que a rainha dava especial preferência à primeira casa vidreira.


O Museu da Vista Alegre – um lugar para objectos industriais
Filipa Quatorze
Museu da Vista Alegre

O encerramento e abandono de muitas das apelidadas indústrias “tradicionais” e o interesse crescente pelos ramos da história social e local, promoveram o uso do património industrial enquanto recurso para construções identitárias e processos de desenvolvimento e rentabilização económica local. De facto, os intensos movimentos de ‘patrimonialização’ do século XX e XXI encontram-se intimamente ligados a esforços de preservação e conservação, intensificados por um processo acelerado de globalização e mudança no último século, que tem vindo a alimentar uma indústria de lazer e turismo em progressiva expansão.
Neste contexto, o património industrial tem vindo a assumir uma importância crescente e o lugar do museu no mundo da indústria a conquistar um novo papel, que engloba não só fábricas derrelictas, como também unidades em pleno funcionamento. Enquanto espaços de representação, construção de conhecimentos e comunicação com os públicos, os museus têm vindo a por em prática diferentes abordagens ao património industrial, interligando dimensões tão diversificadas como tecnologia, história social ou local.
Esta comunicação irá debruçar-se sobre o património e coleções de indústria no contexto específico de uma unidade industrial activa – a Fábrica de Porcelana da Vista Alegre. Tendo como ponto de partida a construção de um museu na esfera de uma indústria privada, o propósito será abordar diferentes comunidades de interesses e construções simbólicas, apontando os seus limites, mas também oportunidades interpretativas.
No caso específico da Fábrica de Porcelana da Vista Alegre, o interesse na criação de uma estrutura museológica, manifestou-se quase desde o início da sua laboração. A noção de Museu, e o seu desenvolvimento, cresceu paralelamente à construção pela própria empresa de narrativas sobre o seu passado e a sua história.
Nos finais do século XIX, inícios do século XX, identificamos uma espécie de proto Museu, repositório de peças antigas, exemplos da evolução técnica e artística da empresa nas suas exposições comerciais, mas também modelos pedagógicos dentro da própria unidade. Em meados do século XX, o museu converteu-se num espaço simbólico. Dotado de métodos de classificação de objetos, assumindo um discurso expositivo de natureza cronológica, o Museu manteve-se contudo na esfera do privado. Apenas em 1964 se verificou a sua abertura ao público, tendo-se dado início a um novo momento de classificação e organização das coleções, bem como à criação de uma narrativa expositiva, que permaneceu, com ligeiras alterações, até aos dias de hoje.
Progressivamente, a empresa foi aprofundando os laços entre o Museu e a marca, entre o passado e o presente, entre o património e a produção contemporânea. Ao inaugurar o novo milénio, o Museu da Vista Alegre explorou as novas oportunidades associadas ao crescimento da indústria do turismo. A implementação de visitas guiadas á Fábrica, a remodelação dos espaços do museu, o desenvolvimento de programas turísticos, permitiu conferir novas dimensões à área cultural e patrimonial.
O crescimento do perfil público do Museu da Vista Alegre implicou também novas responsabilidades no modo como a empresa gere, preserva e comunica o seu património. Qual é, de facto, o papel de um museu numa empresa?
É evidente que o Museu joga um importante papel na construção de significados e valor do produto e marca Vista Alegre. Contudo, a consciencialização do museu enquanto espaço de dimensão política, não esgota o seu valor e interesse para o público.
A continuação dos processos de recolha, inventariação e investigação, não só do património material mas também imaterial, são considerados alicerces fundamentais para o desenvolvimento de estratégias futuras. A redação e formulação de políticas, que confiram enquadramento teórico, são igualmente contribuições fundamentais para a preservação e conservação desta herança, ajudando a gerir a mudança, a equacionar usos adaptativos de edifícios ou operacionalizando o registo de intervenções. Como parte integrante de uma política patrimonial concertada, a rentabilização turística destes recursos apresenta-se como alternativa viável, ajudando a suportar a investigação e preservação, enquanto promove o acesso público. A consulta e participação das comunidades, que poderão integrar os colaboradores da empresa, reformados, comunidades locais ou interessados na Vista Alegre, é igualmente uma contribuição fundamental para a preservação deste património.
Neste sentido, a lógica de existência de um Museu na Fábrica da Vista Alegre terá de se inserir na noção de “mediador” ou “facilitador”. Entre nostalgia do passado e a urgência de mudança, nas fronteiras entre espaço privado e público, reconhecendo a existência de diferentes “comunidades de interesse”, por vezes conflituais, o museu poderá assumir-se como mediador, criando canais de comunicação, gerindo o fluxo de significados e dando assim uma contribuição vital para o futuro do património histórico-cultural da empresa.


As coleções do Museu da Indústria do Porto e a Exposição Colonial do Porto  realizada em 1934
Maria da Luz Sampaio
CIDEHUS e CEHFCi, Universidade de Évora

A Exposição Colonial do Porto é realizada em 1934, num momento muito particular da afirmação tecido empresarial da cidade invicta no panorama nacional e permite-lhe uma aproximação aos mercados coloniais. Esta exposição realizada na sequência da Exposição Colonial de Paris de 1931, concretiza-se numa altura em que Salazar ocupa, o Ministério das Colónias[1], e é uma iniciativa imbricada nas politicas coloniais destinadas a propagandear o Estado Novo como regime moderno que se re-afirma como um Portugal Imperial.
Este é um momento muito particular na consolidação das relações comerciais com as Colónias. A afirmação destas políticas apoia-se no dinamismo de uma indústria que nesta conjuntura ganha novas oportunidades de negócio, proporciona a expansão dos seus mercados de exportação, e o aprofundar das relações com os centros de produção e inovação técnica. É todo um processo, que permite ao tecido empresarial um novo enquadramento no seio do regime politico, que se vem desenhando desde 1926.
Nesta comunicação pretendemos estabelecer relações entre este tecido empresarial dos anos 30, no Porto, e a coleção constituída no âmbito do projeto do Museu da Ciência e Indústria do Porto. Coleção é constituída por máquinas, instrumentos e objectos que só à luz destes estudos poderão ser valorizados e reconhecidos como testemunho das dinâmicas empresariais e, também, das políticas coloniais.
Assim, partindo das coleções do Museu da Indústria do Porto, selecionaremos um conjunto de peças de diferentes proveniências, materiais e sectores industriais que serão confrontadas com as peças apresentada no catálogo da exposição colonial de 1934 e com os anúncios publicitários dos jornais da cidade do Porto entre 1930/34. Estes anúncios apresentam os últimos modelos de máquinas e apetrechos industriais, apresentam os representantes comerciais de marcas e empresas que as vendiam e apresentam, ainda, os aspetos mais relevantes de cada modelo e do seu funcionamento. 
A sua sistemática publicação em sucessivos dias e meses demonstra a capacidade empresarial de promover campanhas publicitárias, almejando um posicionamento estratégico nos mercados nacionais e nos circuitos de exportação de instrumentos, maquinaria e produtos nestas primeiras décadas do seculo XX.

[1] Em 1930, tinha sido aprovado “ O Acto Colonial” (decreto nº18 570 de 8 de Julho de 1930) que foi consagrando na Constituição de 1933.


A coleção do Museu da Máquina de Escrever da Golegã como expressão da modernização tecnológica do sector durante o século XX
Maria Elvira Marques
FCSH-UNL

No Município da Golegã encontra-se em processo de depósito para posterior instalação museológica, desde Fevereiro 2013, uma coleção composta por mais de 300 máquinas de escrever. A coleção é variada e inclui exemplares fabricados em todo o mundo entre as décadas de 1880 e 1960-70. O objetivo desta breve apresentação é, não só dar a conhecer esta coleção, como a partir de uma seleção dos modelos mais comercializados, tentar sugerir relações com a modernização técnica e tecnológica do país através da existência, distribuição, comercialização e consumo de exemplares dos colossos ocidentais do ramo, como a Remington, a Hammond, a Underwood, a Adler-Royal, a alemã Olympia e a italiana Olivetti e, demonstrar a importância da mecanografia tanto quanto aos avanços no fabrico interno e do consumo, sendo disso exemplo a Messa portuguesa[1] bem como, da sua evolução internacional. A máquina de escrever a nível do avanço das tecnologias de fabrico, de inovação, de comercialização, concorrência é uma expressão dessa modernização técnica e tecnológica e um marco importante da história da tecnologia.

[1] Messa-Portugal (Algueirão, Mem-Martins) Sintra, Portugal. A fábrica encerrou definitivamente em 1985.


E se não tivesse sido assim?
Paulo Oliveira Ramos
Universidade Aberta e IHA - FCSH-UNL

À construção iniciada em 1888 da Fábrica de Gás junto à Torre de Belém levantou-se um coro de protesto nunca visto entre nós, mobilizando durante mais de seis décadas desenhadores, escritores, autarcas, políticos, arqueólogos, patrimonialistas, olisipógrafos, etc.
Assim aconteceu, por exemplo, com Sousa Viterbo que no ano em que criou e deu à estampa a expressão ‘arqueologia industrial’ haveria de bramar no Diário de Notícias contra  “o gazometro, como inutil, como objecto duma archeologia repugnante, como um parasita detestavel, como um invejoso perverso, [que] caia aos pedaços, cheio de ferrugem, cheio de lepra, carcomido, andrajoso, como tronco fulminado pelo raio de Deus!”
Na presente comunicação procurar-se-à acompanhar essa contestação, identificando os principais actores, dinâmicas e contextos em que se inseriu. 


From conception to the marketplace: about history of ceramic products in Portugal. Initiatives from Québec, France and Portugal in matters of handicraft heritage
Valérie Roussel
University of Paris Sorbonne 1, University of Evora and University of Padova

I had the opportunity to study the marketing of handicraft products across different administrative regions of Quebec. This research studied the realities of marketing of handicraft products in Quebec and helped identify strengths and weaknesses in the actions of public bodies providing for the financial needs of artisans and art related shops. A similar approach can be pursued in Portugal, firstly by analyzing the marketing operations of craft products depending on whether they're to be industrialized or not. Secondly, to target practice techniques to evaluate them in order to preserve the cultural economy and traditional knowledge associated with it.
Ceramic products of Portugal, from know-how-are-intangible heritage at the base of the survival of traditional craft practices, stimulate the sense of identity and must be protected. In this highly touristic country of Portugal, the Alentejo region was selected as a case study. This region's craft economy enjoys worldwide recognition, does that imply the traditional know-how isn't facing the risk of slowdown or if critically remarked, erosion? The craft study circles in Portugal are practically in their budding stage. How does the economic crisis affects these producers and their market? How the context of traditional production techniques, transformation and distribution is modified to adapt to today's markets? We stipulate that the artisans must use new strirring strategies to briskly reassure the development of the market.
To begin with, marketing and strategies that have been exploited for handicraft products in other countries will be discussed, particularly in France and French speaking Canada. In this nomination, the term marketing is understood as the distribution of targeted products, the process by which a product is delivered to a consumer market. The process is characterized by three different levels relative to the product of: the producer, the intermediate(s) and finally the consumer.
Then we'll scrutinize the programs implemented by organizations and institutions and study the statistical data on the distribution of their products. Beginning with this idea, we envisage the interesting approach of comparing the government's initiatives and strategies planned out with those of Artisans that could potentially be recognized and appreciated by their fellow citizens as well as the cluster of artists and tourists. These strategies could be for example subsidies, brand marketing, advertising, specialty region, etc..
In the second phase, a scientific review of English, French and Portuguese articles on the market history and the production of ceramic art and craft, relating specifically to the situation in Portugal will be presented. It will be set to distinguish the different forms of pottery production, compare them with those of ceramics and trace in history, technical transfer and inheritance Roman and Arab cause in the typology of production-to- evolution today. Manufacturing techniques, restoration and dissemination will be discussed briefly in the light of meetings with potters, ceramists and institutions working in the culture.
The field survey is an essential part to obtain information directly from the producers and sellers of art and crafts, which are best placed to understand the realities of the market and to propose solutions, customized they may be but would present an intrinsic perspective. Field research will provide an inventory of these workers "gesture" to better understand this technical heritage and its historical roots, and finally, to evaluate how to create their rightful recognition through national actions of dissemination and implementation value. How these artisans could be recognized and how can they expand their customer base in the context of mass consumption today? Did they use support networks? How the context of transmission has changed to adapt to the tastes of today's buyers? The laws of supply and demand of the capitalist market does lead them to the competition, and what are their effects on this set of technical practices? These are some questions that require a much profound understanding of the subject and eventually, lead me on the track not only on the study of craft heritage and technique, but also on revaluation aspects.


Património Industrial entre a Destruição e a Reutilização – a Moagem Portuguesa do Século XX
Rui Cunha
IHC - FCSH-UNL e IAP – Instituto de Arqueologia e Paleociências das Universidades Nova de Lisboa e do Algarve

O conjunto industrial moageiro português do século passado é um legado histórico, tecnológico e arquitectónico em grave risco de se perder, ao mesmo tempo que poderia constituir um potencial aproveitamento económico e sociocultural. O I Encontro Anual Indústria, História, Património será o lugar adequado para fazer o ponto da sua situação, chamando a atenção para os casos já perdidos, destacando e contribuindo para a valorização dos que se encontram num impasse, e revelando as unidades que foram reconvertidas e reutilizadas, procurando aprender com essas experiências.
A avaliação feita ao conjunto das fábricas que percorreram a primeira metade do século XX, maioritariamente promovidos ou reestruturados, nas primeiras décadas, revelou que se, até 1974, o encerramento das fábricas terá tido a finalidade de ceder quotas de laboração para com elas renovar ou implementar outras unidades, as restantes encerraram pela crise económica da década de 1980 ou, se lhe foram conseguindo resistir, tiveram o golpe final com o impacto da liberalização do sector, no início da década seguinte.
Independentemente da sua actual situação, todas essas fábricas foram ou são a expressão material desta indústria e formam um acervo que deve ser divulgado e cuja importância merece ser destacada, sendo esta a melhor forma de procurar a sua preservação e memória.
Se a especulação imobiliária, a perda da função e o consequente abandono, são as causas que mais contribuem para a degradação e a destruição daqueles conjuntos industriais, a valorização deste património e a atribuição de novos usos, que permitam a continuação da sua utilização, será o modo de promover a conservação daqueles bens.


O ciclo do tempo. Dois casos de protecção precoce do património industrial em Portugal – os curtumes em Guimarães e a Fábrica de Gelo da serra de Montejunto
Deolinda Folgado
DGPC,  IHC e IHA - FCSH-UNL

Porque classificamos o património? Que tipo de protecção e de gestão do património poderão ser implementadas para garantir a permanência dos valores técnico-industriais da herança cultural legada? O que perde a sociedade se houver um desaparecimento permanente e acriterioso de bens com valor cultural?
Estas questões permanecem actuais, revestindo-se de uma enorme pertinência quando lidamos com uma avalanche de bens a preservar e com uma escassez de recursos económicos crescente. O que aparentemente pode surgir como uma contradição, terá de se transformar num enorme desafio, aplicando os três Rs ao património – Recuperar – Reconverter – Reutilizar.
Falamos assim da urgência em criar um programa sustentado entre educação & património; entre ambiente & património; entre gestão do território & património; entre turismo & património e entre economia & património – procurando desenvolver com os diversos actores uma paridade de diálogo, onde denominadores como - cultura / identidade / conhecimento / inovação - deverão ser, efectivamente, compreendidos na sua espessura temporal e diferenciadora, e, por isso, facilitadora de um desenvolvimento sustentável. Afinal, esse é o desígnio do património – permitir construir uma sociedade com melhor qualidade de vida através dos seus melhores valores – históricos, artísticos, técnicos, industriais, urbanos, paisagísticos, etc. De escolho a debelar, o património (na sua máxima acepção) terá de ser compreendido como uma mais-valia para o quotidiano das populações, ensaiando-se novas soluções que superem algum estaticismo geralmente a si associado.
O conhecimento do processo de salvaguarda da zona de curtumes de Guimarães e da fábrica de gelo da serra de Montejunto, dois casos precoces, pioneiros e distintos na protecção e gestão do património técnico-industrial em Portugal, pode ajudar-nos a reflectir sobre as questões iniciais.
O conjunto industrial de rio de Couros em Guimarães, proposto para classificação como Imóvel de Interesse Público, encontra-se em vias de classificação desde 1977, tendo sido delimitada à época uma área com valor arqueológico – industrial. Algumas das fábricas identificadas então e fixadas neste tecido urbano delimitado com valor, foram alvo de um projecto de recuperação e reutilização deste território com vocação para o trabalho dos couros. O porjecto CampUrbis, foi especialmente concebido para a zona de Couros, resultando da definição de um plano que visa reabilitar esta área e os edifícios associados à indústria da curtimenta, reutilizando-os com base num programa estratégico para a cidade.
Quanto à fábrica do gelo, classificada como Monumento Nacional em 1997, foi objecto de um programa vocacionado para o conhecimento, salvaguarda e fruição, tendo sido inaugurado o circuito de visita ao complexo do fabrico do gelo natural, a 27 de Março de 2011.
Pretendemos com estes dois casos demonstrar o “valor” do património no tempo presente e a sua incorporação no quotidiano através de novas funções. Para tal propomos:
 - Caracterizar a actividade técnico – industrial presente, quer a do tratamento dos couros, quer a do fabrico de gelo natural;
 - Compreender e interpretar as evidências deixadas no território por estas duas actividades;
 - Analisar que valores patrimoniais se encontram presentes no legado deixado por estas actividades;
 - Perceber o momento do reconhecimento do valor patrimonial destes bens;
 - Conhecer os processos de salvaguarda e reutilização destes bens.
Procurar-se-á, assim, destacar dois casos de sucesso a nível do reconhecimento, da protecção, do estudo e da reutilização na área do património técnico-industrial, no âmbito nacional. Sendo dois casos de diferente dimensão e escala, de diferente inserção territorial, de diferente natureza produtiva, com diferentes exigências financeiras, revela-se pertinente esta observação comparativa e reflexiva que nos propomos. Casos, eventualmente, a replicar. 


Instalação Basset da Cimento Tejo em Alhandra (1939-1946)
Francisco Andrade
FCSH-UNL

Com o presente estudo pretende-se dar a conhecer a Instalação Basset, que possuíu um papel fulcral na Cimento-Tejo (actual Cimpor), localizada em Alhandra, no Concelho de Vila Franca de Xira, e que esteve em funcionamento entre 1939 e 1946.
Para a realização do estudo foi necessário recorrer a diversas fontes bibliográficas de carácter histórico, bem como a fontes gráficas. Não existindo presentemente qualquer vestígio físico desta instalação, o estudo arqueológico baseou-se em dois lingotes de ferro resultantes da vasta linha de produção Basset, e existentes no actual Museu de Alhandra.
O tema do presente trabalho insere-se num período problemático a nível da indústria siderúrgica, que incentivou Portugal a criar os seus próprios meios de produção, assumindo assim um lugar no panorama da indústria europeia, e a Cimento-Tejo a garantir o pioneirismo na indústria do cimento e ferro nacional. A instalação Basset de Alhandra é um marco temporal no crescimento da Cimpor, bem como uma inovação produtora nunca antes concebida no fabrico do cimento artificial.
Em 1938 foi possível incluir uma terceira linha de produção sob a forma de um forno rotativo. Este novo forno fora adquirido através de um contracto com a empresa alemã Krupp, mas esta nova linha de produção ficaria a ser conhecida por Instalação Basset. Este nome peculiar deve as suas origens a Lucien Paul Basset, que já tinha inventado um novo processo de cozedura de cimento em 1924, e em 1937 é autor de várias patentes que seriam utilizadas na montagem de instalações produtoras de gusa em França, Espanha, Japão e Dinamarca.
O seu processo consiste num método de introduzir diversos compostos como o minério de ferro, triturado em pirites, e o carbonato de calcário, bem como carvão para permitir a redução e controlo destes dois últimos agentes. Preparava-se assim uma mistura crua para cimento com excesso de óxido de ferro, e adicionava-se carvão miúdo, que permitia alimentar melhor o calor em determinadas zonas da mistura. A cinza de pirite (originária do minério) reage ao cru do cimento e forma ferro-aluminato de cálcio. O restante óxido de ferro era reduzido, libertando assim o ferro metálico; este, ao atingir entre 1000ºC e 1250ºC de temperatura, atinge o estado da fusão e passa a gusa, sobre a qual flutua a escória do clinquer.
Este processo terá atingido o seu ponto alto na linha de fabrico de um forno rotativo. Este possui na sua extremidade meios para a separação do clinquer e da gusa.


O cilindro compressor a vapor Henschel & Sohn
Isabel Sampaio Soares
IHC – FCSH-UNL

O trabalho que nos propomos apresentar tem como objecto de estudo o cilindro compressor a vapor Henschel & Sohn n.o 2530, adquirido pela extinta Junta Autónoma de Estradas (JAE) nos finais da década de 1920 do século passado.
Porque a compreensão de uma máquina ultrapassa em muito a tecnologia que a serve, procurou-se num primeiro momento fazer uma síntese sobre a evolução da rede viária em Portugal e os métodos e equipamentos utilizados na construção de estradas, de modo a enquadrar, em termos históricos e técnicos, o contexto de fabrico, de aquisição e de utilização do cilindro compressor em questão. A origem e evolução deste tipo de equipamentos constitui o segundo ponto deste trabalho, para o qual foi fundamental a consulta de publicações estrangeiras disponíveis em várias bibliotecas digitais internacionais, com particular destaque para a Gallica/Bibliothèque Nationale de France e o Internet Archive. Por fim, procede-se ao estudo do cilindro compressor Henschel & Sohn n.o 2530 enquanto objecto técnico e tecnológico com uma determinada função, abordando ainda o fabricante que o produziu e os contornos da sua aquisição por parte da Junta Autónoma de Estradas. Para este ponto, para além da observação e do contacto directo com a máquina, foi particularmente importante a consulta de alguns documentos da extinta Junta Autónoma de Estradas, actualmente pertencentes ao Arquivo Estradas de Portugal.
Apesar de algumas medidas pontuais anteriores, só a partir de 1852, com a criação do Ministério das Obras Públicas, por Fontes Pereira de Melo, se verificou um efectivo investimento estatal na rede viária nacional, que levou a que em 40 anos se construíssem cerca de 8500 km de estradas macadamizadas. A crise de 1891 veio interromper esta política e os problemas económicos e a instabilidade política que se lhe seguiram prolongaram esta situação, levando à ruína das estradas nacionais. Só no final da década de 1920, com a estabilização económica do país e a criação da Junta Autónoma de Estradas (JAE), foi dado um novo impulso na construção de infra-estruturas rodoviárias, altura a partir da qual se realizaram grandes investimentos públicos com vista ao alargamento e melhoria da rede de estradas do país, cujos traçados e pavimentos se encontravam totalmente desadequados à crescente circulação automóvel.
É neste contexto que a JAE adquire, em 1929, o cilindro compressor a vapor Henschel & Sohn n.o 2530, que viria a ser utilizado na compactação e consolidação de pavimentos de macadame e betuminoso. Em termos tipológicos, esta máquina integra o grupo das locomotoras com motor de 2 cilindros horizontais de sistema compound, tecnologia introduzida nos cilindros compressores em 1881.
Objecto do universo paleotécnico que encerra a genialidade de Watt, Woolf ou Trevithick, foi construído quando já se havia introduzido o motor de combustão interna neste tipo de equipamentos, revelando a resiliência de uma tecnologia do século XIX que sendo aplicada a um cilindro compressor em 1929, lhe permitiu cumprir a sua função durante mais de três décadas.


A produção alimentar e metalúrgica de Alcácer Ceguer. Um estudo de arqueologia pré-industrial na expansão portuguesa no Norte de África
Sofia Lovegrove, Joana Torres e André Teixeira
FCSH-UNL e CHAM- FCSH-UNL

Alcácer Ceguer foi um aglomerado urbano conquistado pelos portugueses em 1458, no âmbito da sua política expansionista no Norte de África. Estes ocuparam-na até meados do século XVI, altura em que foi abandonada, tendo permanecido nesse estado até à actualidade. Por esta razão, o registo arqueológico de Alcácer Ceguer encontra-se muito bem preservado, sendo possível reconstituir as formas de apropriação do burgo islâmico pelos portugueses e caracterizar com grande fiabilidade o seu quotidiano nos inícios da época moderna.
O sítio foi objecto de um projecto arqueológico marroco-americano a partir de 1972, sob a direcção de Charles Redman. Entre 1974 e 1986 foram organizadas seis campanhas de trabalho de campo, acompanhadas por uma análise detalhada dos materiais arqueológicos descobertos. A partir de 2010, foi desencadeado um novo projecto de investigação do sítio, por uma equipa luso-marroquina, sob a direcção de um dos signatários. Esta pretende realizar novas intervenções arqueológicas na antiga vila portuguesa, mas sobretudo reavaliar e reinterpretar os dados da anterior missão.
Um dos objectivos do novo projecto relaciona-se com o estudo dos engenhos produtivos da antiga vila portuguesa revelados ao longo das campanhas arqueológicas dos anos de 1970-80. Pretende-se identificar as actividades produtivas existentes, pela compreensão do seu funcionamento e organização interna, bem como a sua implantação no espaço urbano. Procurar-se-á averiguar se os diferentes engenhos e forja associados a estas actividades se enquadram nos horizontes do complexo eotécnico do ponto de vista tecnológico e da arqueologia pré-industrial. Contribui-se assim para uma melhor caracterização das referidas unidades produtivas. Numa outra dimensão, pretende-se aferir a sua importância para o quotidiano da população desta praça, tendo em conta o seu enquadramento geopolítico no contexto da expansão portuguesa. Pretende-se fazer uma estudo integrado destas estruturas de carácter pré-industrial, tendo sempre em linha de conta o cruzamento dos dados arqueológicos com fontes históricas, iconográficas, etnológicas e técnicas.
Na metodologia de trabalho desenvolvida até ao momento, começou-se por uma leitura atenta dos registos dos trabalhos arqueológicos efectuados nos anos 70 e 80, a par dos estudos publicados sobre estas mesmas escavações. Com base nestes dados, optou-se por seleccionar todas as estruturas e engenhos in situ que permitissem o processamento de cereais, como as mós; a prensagem de uvas e/ou azeitonas, para a produção de vinho e/ou azeite, como as prensas; a produção de pão em fornos; e a actividade metalúrgica, realizada em ferrarias e/ou forjas.
A partir desta fase, procedeu-se à descrição e à localização de cada uma das estruturas no interior da cidade de Alcácer Ceguer, através das plantas e registos das referidas escavações. Para alcançar um conhecimento mais aprofundado acerca do funcionamento das mesmas, das matérias-primas empregues, dos resultados da produção (para subsistência ou para mercado), bem como para a determinação de cronologias, recorreu-se a obras de carácter tecnológico e etnológico. Foram ainda utilizados paralelos arqueológicos coevos, existentes no território português e nos seus antigos domínios ultramarinos. 


Lectura de las huellas del pasado industrial de Tenerife: Primera Planta Industrial del complejo hidráulico de elevación y distribución de aguas de Gordejuela
Dácil Pérez

Canarias fue un territorio totalmente ajeno a los avances técnicos y materiales de la Revolución Industrial. Si nos asomamos a la costa norte de Tenerife, nos llama la atención un edificio de 5 plantas en ruinas. Fue el edificio que albergaba las máquinas que elevaban el agua de los nacientes de Gordejuela hasta las tierras de cultivo, a dos kilómetros de distancia, y a una altura de 300 metros sobre el nivel de mar. La Fábrica de Aguas de Gordejuela se encargaba de recolectar en la costa el agua de los nacientes para luego bombearla hasta el depósito superior, y distribuirla por las fincas del Valle de la Orotava.
Mientras los países en desarrollo estaban en plena Era Neotécnica, Canarias continuaba con un modelo preindustrial. Fomentado por las empresas extranjeras que hacían negocios en las islas, a finales del siglo XIX, se comienza a inaugurar las primeras fábricas. Organización industrial, motores, máquinas y nuevas arquitecturas comienzan a aparecer tardíamente en la vida y paisaje isleño. Las nuevas necesidades agrícolas y el aumento demográfico, convierten al agua en un negocio, un bien necesario e imprescindible.
La década de los años 30 del siglo XIX marca el inicio de una era de supremacía económica inglesa en Canarias, consolidando su importancia a principios del siglo XX, con la modernización de las infraestructuras portuarias de las principales islas. Muchas empresas inglesas llegaron al archipiélago con sus familias, escogiendo las ciudades más prósperas para instalarse e implantar en ellas su modelo de vida europeo. En el año 1816 se establece en Tenerife la familia Hamilton, los promotores de la Fábrica de Aguas de Gordejuela.
La construcción de la Fábrica de Aguas supuso un grave problema económico para la Hamilton & Co. que no consiguió rentabilizar la inversión inicial de un millón de pesetas (correspondencia e euros). Se puede afirmar que debido al éxito inicial de la fábrica, la Hamilton & Co. propone declarar el complejo como bien de interés público, pero no lo consigue. En 1909 la compañía se ve obligada a arrendar el complejo a otra de las firmas inglesas instalada en las islas, La Fyffes Ltd., vendiéndosela mas tarde.
La Fábrica de Aguas bombeó en sus comienzos 8 millones de litros de agua (5000 metros cúbicos) en 24 horas hasta el depósito superior. La máquina de vapor de 300 cv accionaba dos bombas capaces de elevar 70 litros de agua por segundo a un depósito con una capacidad para 25.000 m3 de agua. E caudal de agua bombeada circulaba por una tubería de dos mil metros. El agua que emanaba de los acantilados era recogida através de un canal abierto e inclinado que descendía hasta el depósito de la costa. Las bombas aspiraban el agua del depósito inferior a través de una tubería que recorría el acantilado paralelo al canal abierto. Una vez el agua entraba en las bombas, era expulsada hacia el depósito superior a través de otra tubería de hierro de 30 cm de diámetro que recorría unos dos mil metros de distancia hasta llegar al depósito superior. Los primeros 125 m de tubería sufrían un desnivel de unos 50o de pendiente hasta una cota de 100m sobre el nivel del mar.
Esta comunicación es un estudio de los restos arquitectónicos, materiales y documentales, de lo que fue uno de los primeros ejemplos en Tenerife, de instalación de una máquina a vapor fija. El estudio hace una descripción de la Primera Planta Industrial (1905-1909) del complejo hidráulico. Casa de Calderas, Casa de Máquinas, depósitos y canalizaciones constituían las principales edificaciones del complejo industrial que comenzó a construirse en el año 1903. Um ejemplo de complejo fabril totalmente revolucionario en un territorio completamente des-industrializado.
Se contextualiza Canarias en el marco político y económico internacional y se refieren los motivos que pudieron llevar a la familia inglesa Hamilton a construir un complejo hidráulico de elevación de aguas en un territorio totalmente ajeno a la industrialización.
Con el presente trabajo se pretende iniciar la reconstrucción de la historia reciente de este territorio a través de los restos materiales descontextualizados y de los fondos documentales.


A Era da Vapor em Portugal: uma revisão necessária
Jorge Custódio
IHC – FCSH-UNL

A história da energia a vapor em Portugal está por fazer. Este hiato representa um desconhecimento generalizado do papel do vapor, enquanto gerador de força motriz ou tecnologia inovadora, na vida económica, social e cultural do país e como alternativa ao antigo regime motor (baseado na tracção humana e animal ou nas energias hidráulica e eólica), tal como ele fora definido durante vários milénios. Independentemente dos seus próprios impactes ambientais, que funcionaram desde muito cedo em seu desfavor, a realidade histórica e económica do século XIX e da 1.ª metade do século XX requer ser observada a partir do poder motor do vapor. Esta constatação requer que ser ultrapassado o hiato acima referido, observando-se o fenómeno o da ocorrência da energia a vapor à luz de estudos multidisciplinares.
De facto, o vapor não tem merecido a atenção dos historiadores, da arqueologia, nem da salvaguarda do património técnico e industrial em Portugal, com raras excepções. Conhecem-se melhor as energias pré-industriais (hidráulica e eólica) do que o vapor, apesar do papel significativo que teve na mudança industrial de oitocentos. A energia eléctrica, ela própria herdeira das transformações ocorridas durante a Era do Vapor, tem merecido mais estudos embora o processo de implantação, de localização, de organização e de difusão das unidades técnicas motoras do vapor esteja, praticamente, por esclarecer.
O enfoque sobre a introdução da máquina a vapor em Portugal ou a quantificação das suas ocorrências estatísticas têm sido, até hoje, um dos objectivos da investigação histórica. Eles são apenas uma «ponta do iceberg», um aspecto particular do problema histórico da energia a vapor em Portugal, uma redução do seu alcance económico, social e cultural, enquanto opção energética para um Portugal em mudança.
Ora impõe-se que se proceda a uma revisão conceptual e metodológica sobre a disseminação das unidades técnicas motoras ou operadoras e das suas respectivas tipologias, atendendo ao espectro das suas aplicações na indústria, na navegação, nas minas, na agricultura, no comércio, nas obras públicas e nos serviços.  
Esta revisão se impõe do ponto de vista epistemológico, exigindo o concurso do inventário das suas diferentes manifestações historicamente documentadas, do estudo arqueológico industrial dos vestígios materiais e imateriais e da protecção e salvaguarda dos exemplares que sobreviveram à cessação do seu ciclo paleotécnico.
O estudo do caso do equipamento motor da Mina de S. Domingos, essencial para a mineração e extracção da pirite do concelho de Mértola, é um exemplo da complexidade que o estudo da energia a vapor pressupõe, tendo em conta um território e uma organização industrial específica. Na realidade, a empresa inglesa Mason & Barry, Lte, responsável pelo estabelecimento mineiro, metalúrgico, ferroviário e portuário de São Domingos-Pomarão, introduz a Era do Vapor, no «sertão alentejano», desde 1861, capitalizando uma potência nominal de 1489 cv, em 1882, isto é, a maior capacidade motriz que alguma empresa desenvolveu em Portugal, durante o século XIX, só inferior à totalidade da potência motriz da das cidades de Lisboa e Porto. Com actividade em três freguesias daquele concelho (Corte do Pinto, Santa Ana de Campos e Espírito Santo), a empresa mineira de S. Domingos é um caso tipo, que permite observar a localização territorial das suas ocorrências, as diferentes tipologias de unidades técnicas motoras, as suas respectivas funções (mineração, extracção, tratamento metalúrgico, transportes ferroviários e fluviais), bem como o ritmo da inovação técnica em função do consumo de energia. Atendeu-se ao processo e fases de exploração do subsolo e de desmonte a céu aberto e ao tratamento metalúrgico do minério, à boca da mina.
A complexidade deste caso ganha espessura à medida que é possível identificar o equipamento motriz em função das suas próprias especificidades, factor que determina a importância dos sistemas tecnológicas operativos e das suas necessidades de consumo.
Reconhece-se, neste caso, o modelo oitocentista de industrialização capitalista britânico transplantado para um Portugal liberal e dependente. Todavia, este exemplo paradigmático permite aferir os conceitos e as metodologias de investigação a aplicar no estudo da Era do Vapor no nosso país, em função da sua leitura integrada, apoiada nos recursos arqueológicos que as actuais ruínas da Mina e da sua casa das máquinas, ainda hoje evidenciam.


Um edifício-máquina na origem da indústria cimenteira portuguesa: o forno Hoffmann de patente Otto Bock (1891-1932)
Jorge Custódio
IHC - FCSH-UNL

A programação do Museu da Cimpor (2006-2007) implicou a escolha de um antigo armazém do Centro de Produção de Alhandra, daquela empresa multinacional, para servir de contentor a um dos núcleos do referido Museu.
De acordo com a memória fabril e as representações cartográficas mais antigas do Centro de Produção, esse armazém fora um edifício essencial na primitiva história da Fábrica de Cimento Tejo, dado que ali laborara um antigo forno contínuo de tipologia hoffmaniana, onde se produziu o primeiro cimento artificial fabricado em Portugal, de forma contínua, entre 1894 e 1904 e depois de vez em quando (1904-1932). O contexto histórico era o da afirmação da indústria portuguesa, uma tentativa de propaganda e superação do atraso industrial do país, em função da importação de cimento estrangeiro, nomeadamente da Grã-Bretanha.
O forno Hoffmann foi demolido nos meados da década de 1930, na sequência da construção dos primeiros fornos rotativos da Fábrica de Cimentos Tejo. Todavia o edifício que o protegera, com a sua arquitectura industrial funcional, permanecera até à actualidade, embora adaptado a outras funções. Conquanto o seu estado de conservação merecesse alguns cuidados, entendeu-se destiná-lo à nova função cultural, contribuindo assim para a preservação da sua arquitectura industrial. A sua antiguidade, o significado empresarial, a identidade social e histórica associada ao forno Hoffmann foram aspectos determinantes para a sua consagração museológica (inauguração em Março de 2011). O projecto implicou a reconstrução de um memorial, sob a forma de um segmento em corte do respectivo forno, à escala de 1:1, montado por uma empresa de fornos cerâmicos. Contou-se com o desenho do forno inicial, documento conservado pela empresa.
O projecto de musealização exigiu a realização de estudos históricos e arqueológicos, que agora apresentamos, estudos que implicaram a análise da arquitectura do espaço do forno, enquanto último vestígio do edifício-máquina, bem como da tecnologia da produção de cimento a partir da tipologia dos fornos contínuos Hoffmann. O acompanhamento das obras de recuperação do edifício, o estudo dos desenhos originais do forno e dos vestígios das suas fundações permitiram-nos identificar uma variante da inovação de Friedrich Hoffmann (1818-1900), designado por sistema Otto Bock e patenteado pela Fábrica de Cimentos Weimar (1890), como sendo o edifício original da fabricação do primeiro cimento artificial português.
A instalação deste tipo de edifícios-máquinas, destinados ao cozimento de tijolos ou briquetes secos de argila e calcário e destinados ao fabrico do clinquer - matéria-prima do cimento artificial -, implicou um sistema técnico e fabril integrado, que explica a estrutura e organização da primitiva Fábrica de Cimento Tejo, em Alhandra.
A sua geometria hoffmaniana era em tudo semelhante aos modelos da segunda geração dos fornos desta tipologia, uma das mais interessantes inovações, da 2.ª metade do século XIX, para a produção de material de construção, de cais, de cimentos ou de calcinação de minério. O estudo que agora se apresenta põe também em evidência um objecto arqueológico de grande significado na indústria de cerâmica portuguesa. Um objecto que não tem merecido o interesse da história industrial, nem dos estudos arqueológicos, nem da salvaguarda do património industrial em Portugal. 


Strategic Management Plan of the Derived Goods from the Extinct RFFSA in the Cities of the Agreste of Pernambuco.
L. A. Tenório
Faculdade do Vale do Ipojuca

The study intends to carry out a research about the architectonical historic of the rail realties in the cities of the Agreste of Pernambuco where the Tronco Centro line ran, based on the research developed by IPHAN to the Inventory of the Rail Heritage of Pernambuco, updating the data contained in such inventory and providing deeper information that subsidize a bulk of information needed for future preservation of these goods, according to the criteria demanded by the Program of Heritage Destination of the Extinct RFFSA.
This program is within the Growth Acceleration Planning– PAC, that are major actions to the Federal Government, so, it is understood as an opportune moment to set action targets to be established in these cities, integrating them to its management plan integration criteria to the realties of the extinct RFFSA as promotional tools of the social, cultural and environmental growth.
Finally systematizing the collected data during the research, in order to develop a strategic management Plan of the Union realties deriving from the extinct RFFSA in the countryside of Pernambuco, where the Tronco Centro line ran. Promoting the protection of these goods in a sustainable way, contributing for the local culture and development.